A "responsabilidade social" das empresas

Notável a baboseira do Clóvis Rossi na Folha de ontem (8 de maio de 2005), Dia das Mães.

Pretende ele que “role” na Alemanha, atualmente, um certo “revival” de Karl Marx.

A evidência para tal “revival” seria o fato de que a Social-Democracia alemã estaria “irada”, criticando os “excessos do Capitalismo”.

Em primeiro lugar, nada de estranhar que a Social-Democracia critique o que ela acha serem excessos do Capitalismo. A Social-Democracia surgiu como uma suposta alternativa tanto ao Capitalismo como ao Socialismo, como uma Via Media, ou Terceira Via. Não aceita, portanto, o Capitalismo como tal. Se o aceitasse, não haveria o menor sentido em se propor como Via Media ou Terceira Via (com ênfases, é bom que se diga, bem mais acentuadas no lado socialista da suposta equação do que no lado capitalista).

A revolta social-democrata parece ser dirigida a “empresas que têm lucros excepcionais e, não obstante, botam gente na rua”, como o Deutsche Bank (e, como já foi citado neste blog, a General Electric). O Deutsche Bank teria aumentado seus lucros 25% e, ainda assim, anunciado a dispensa de 10% de seus 64 mil funcionários. Lydia Brito, em artigo comentado na minha matéria “Capital e Trabalho”, de 1º de maio de 2005, observa que “nos anos 1980 a GE possuía uma receita de 52 bilhões de dólares anuais e 404.000 funcionários; no fim dos anos 1990 aumentou para uma receita de 450 bilhões de dólares e diminuiu para 229.000 o número de funcionários, ou seja, aumentou seu lucro em 800% e diminuiu o número de empregados praticamente para a metade”. Esses dois fatos parecem um escândalo para os social-democratas, para a autora do artigo citado, e, naturalmente, para o Clóvis Rossi.

Clóvis Rossi cita ainda um editorialista do Le Monde:

"Os interesses privados, que se legitimam apenas pela concorrência econômica, sem cuidado excessivo com o interesse geral, tudo fizeram para reduzir o espaço próprio da política e de suas decisões, porque entrava suas ambições e limita seus apetites."

Segundo o editorialista, com o qual Rossi parece concordar, parece estranho que as empresas atuem com base em seus interesses privados, objeto de preocupação da economia. Segundo o editorialista, com o endosso de Rossi, as empresas deveriam se preocupar também com “o interesse geral”, objeto de preocupação da política.

Segundo Rossi, agora comentando em nome próprio, isso tudo “é algo que o brasileiro conhece bem, pela brutal conversão aos interesses privados que fizeram os dois governos mais recentes, ambos supostamente parentes próximos ou distantes da social-democracia”.

Estranha constatação essa. Se o governo FHC e o governo Lula são “parentes próximos ou distantes da social democracia”, é esquisito acusá-los de “conversão aos interesses privados”, quando a Social-Democracia alemã está irada exatamente pela falta de preocupação das empresas com o “interesse geral” (isto é, manutenção de empregos que se tornaram desnecessários, e, portanto, redução deliberada do lucro para ajudar o governo em sua missão social).

O bobão do Clóvis Rossi chama a nossa de “a era dos gafanhotos” e defende a tese de que a ira contra o comportamento das empresas não deve “ficar apenas na retórica”… Deve se tornar o que, essa ira? Violência? Revolta armada? Finalmente a revolução socialista?

Ao longo de toda a história da humanidade se concluiu, acertadamente, que o bem-estar das pessoas era de sua exclusiva responsabilidade – e que se alguns não conseguiam alcançá-lo, seu bem-estar ficava na dependência da caridade voluntária das pessoas privadas, físicas ou institucionais (igrejas, por exemplo).

O Liberalismo, ou Capitalismo, se preferem, endossa essa tese. É por isso que muitos milionários criam suas próprias fundações para ajudar os que não conseguem cuidar de seu próprio bem-estar. Isso é algo feito voluntariamente.

A partir do século XIX começou a se crer que o bem-estar das pessoas não é de sua responsabilidade – sendo exclusiva responsabilidade do Estado, ou dos governos. Essa a tese socialista.

Parece que a inovação social-democrata está no fato de que ela reconhece que os governos não conseguem proporcionar aos incapazes o bem-estar que agora é tido como sendo de (direitos econômicos e sociais) – mas espera que as empresas desenvolvam uma “consciência e responsabilidade social” e ajudem os governos a prover o bem-estar que eles, governos, por si só, não conseguem prover…

Faz-me rir.

Das duas uma: ou a responsabilidade de prover bem-estar às pessoas que não conseguem provê-lo para si mesmas é dos governos, e eles se desincumbem dela sozinhos (ainda que cobrando altíssimos impostos), ou eles tiram o time de campo, se reconhecem um fracasso nessa área, eliminam os impostos destinados a custear políticas sociais e deixam a área limpa para a ação da iniciativa privada – como sempre foi, até o maldito Socialismo surgir.

O que não dá é reivindicar que a promoção do bem-estar social é dever do governo e, ao mesmo tempo, ficar irado porque as empresas cumprem bem a sua responsabilidade precípua, que é dar lucro aos seus proprietários e/ou acionistas.

Clóvis Rossi et caterva parecem achar que empresas devam manter empregados aqueles cujos serviços não mais são necessários, apenas para cumprir sua missão social ou manifestar a sua disposição de promover o interesse público, agindo, como já fazem os governos, como verdadeiros cabide
s de emprego.

Um pouco de bom senso não faz mal a ninguém — nem mesmo a velhos jornalistas que deviam saber melhor, mas que nunca perdem o cacoete socialista.

Em Salto, 8 de Maio de 2005

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Folha de S. Paulo
8 de maio de 2005

CLÓVIS ROSSI

Os gafanhotos e a ira

SÃO PAULO – Rola na Alemanha um certo clima de "revival" de Karl Marx, como se subitamente o comunismo tivesse escapado dos escombros do Muro de Berlim.

Tudo porque lideranças do SDP, o partido social-democrata que está no poder com Gerhard Schröeder, andam criticando os excessos do capitalismo. Começou com o presidente do partido, Franz Müntefering, que chamou de "gafanhotos" os investidores que tomam uma companhia, limpam seus ativos e caem fora, deixando muita gente desempregada.

Wolfgang Thierse, o presidente do bloco SPD no Congresso, atacou as empresas que têm lucros excepcionais e, não obstante, botam gente na rua. Citou o caso do Deutsche Bank, que aumentou seus lucros 25% e, ainda assim, anunciou a dispensa de 10% de seus 64 mil funcionários.

Essa situação -altos lucros X dispensas em massa- estaria provocando um ambiente de "ira desesperada", na opinião de Thierse.

Do outro lado do muro, houve reações de uma virulência incompreensível, como a acusação de que os sociais-democratas estão usando "linguagem nazista" para criticar o "big business".

Estão fazendo apenas constatações, a mesma que expõe Edwy Plenel, o editorialista da revista semanal do jornal francês "Le Monde", no número de sexta-feira:

"Os interesses privados, que se legitimam apenas pela concorrência econômica, sem cuidado excessivo com o interesse geral, tudo fizeram para reduzir o espaço próprio da política e de suas decisões, porque entrava suas ambições e limita seus apetites."

É algo que o brasileiro conhece bem, pela brutal conversão aos interesses privados que fizeram os dois governos mais recentes, ambos supostamente parentes próximos ou distantes da social-democracia.

É, definitivamente, a era dos "gafanhotos". É saudável que haja uma reação, mas se ela ficar apenas na retórica, a "ira desesperada" só tende a aumentar.

crossi@uol.com.br

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