A educação moral talvez seja uma das áreas mais complexas da educação, porque envolve pelo menos três planos ou aspectos distintos:
* Plano Cognitivo: saber o que é moralmente certo, o que é moralmente errado, e o que é moralmente neutro;
* Plano Conativo: desejar fazer o que é moralmente certo e desejar não fazer o que é moralmente errado;
* Plano Ativo: fazer o que é moralmente certo e não fazer o que é moralmente errado.
Que cada um desses planos é condição necessária (mas não suficiente) para o seguinte me parece claro, embora possa ser questionado. A ação moral não é moral quando é realizada sem que a pessoa saiba que ela é moralmente certa, e sem que tenha desejado realizá-la. Uma ação realizada "sem querer" (se é que faz sentido falar de ação neste caso) não é uma ação moral.
Tampouco o é uma ação, ainda que desejada, em relação a qual a pessoa não consegue perceber suas implicações morais e a importância, no plano moral, de estar agindo desta forma, e não de outra. Por isso, acredito que cada plano é um pré-requisito do seguinte. Para a ação moral é necessário que os três planos aqui mencionados estejam presentes – os três, juntos, seriam condição suficiente da ação moral.
Quando se fala em ação moral, portanto, os três planos precisam estar envolvidos.
Não é difícil imaginar o que seria a instrução moral, que atuaria no plano cognitivo (plano do saber ou do conhecimento). Mais importante, porém, do que saber, em relação a cada curso de ação, se é moralmente certo ou errado, ou então neutro, é ter princípios básicos que, em relação a qualquer curso de ação possível, nos permitam determinar, com razoável confiança, se aquele curso de ação é moralmente correto ou incorreto (ou neutro). Quando lidamos com princípios básicos, porém, entramos fatalmente na área da filosofia. Se nenhuma outra razão houvesse para que a filosofia estivesse presente no currículo escolar, só esta bastaria.
O moralista é aquele que nos diz o que é moralmente certo e o que é moralmente errado. O educador moral (na minha opinião, fatalmente um filósofo) é aquele que nos ajuda a definir princípios que nos permitam a decidir por nós mesmos o que é moralmente certo e o que é moralmente errado. (Sempre se imaginou que haja ações que não são nem moralmente corretas nem moralmente incorretas. Elas seriam, portanto, moralmente neutras. Calvino as chamava de "adiaphora").
No plano conativo (plano do querer ou da vontade) passamos a lidar com um componente que é ativado muito mais pelas emoções (nosso lado afetivo) do que pelas cognições. Fosse o ser humano um ser puramente racional, não afetado pelas "paixões" de que trata Hume, bastaria saber que um curso de ação é moralmente certo para que ele desejasse realizá-lo, e bastaria saber que um curso de ação é moralmente errado para que ele desejasse evitá-lo. O ser humano, porém, não é puramente racional. Por isso, depois de estar convencido, no plano cognitivo, de que um curso de ação é moralmente correto, ele precisa, de certo modo, ser capaz de regimentar suas emoções para que venha a desejar realizá-lo.
Como se faz isso? Através da educação das emoções, da aquisição de competência emocional, que é alcançada, primeiro, através da criação de condições para que aflorem as emoções corretas, e, segundo, através do desenvolvimento da capacidade de controlar as emoções indesejáveis pela razão (o "Centro Executivo" do cérebro de que trata Daniel Goleman). Na educação das emoções a convivência interpessoal adequada, em comunidades que estimulam o desenvolvimento das emoções corretas e nos ajudam a controlar as indesejáveis, é essencial. O papel dos exemplos aqui é fundamental. Também extremamente importante, porém, é a vivência "virtual", através da literatura, do cinema, das artes em geral. A papel dos heróis ou "ídolos" aqui é também fundamental.
Muitas vezes é possível saber, no plano cognitivo, qual é o curso de ação que é moralmente certo, mas não desejar realizá-lo, ou saber, no plano cognitivo, que um curso de ação é moralmente errado, mas ainda assim, não tendo controle sobre a vontade, desejar realizá-lo. Os gregos também tinham uma palavra para isso: "akrasia", ou ausência de poder ou controle sobre a vontade.
No plano ativo (plano do fazer ou da ação) é que as coisas às vezes se complicam. Já São Paulo dizia: "o bem que eu quero, este eu não faço, e o mal que eu não quero, este faço". O problema de São Paulo não era nem no plano cognitivo nem no conativo: ele queria fazer o bem e evitar o mal – mas, a julgar pela sua confissão, não conseguia. O fumante sabe que o fumo faz mal à saúde, quer parar de fumar, mas não consegue. O viciado em drogas sabe que as drogas o vão destruir, quer evitá-las, mas não consegue. Como é que a educação moral pode atuar neste plano?
Uma vez mais, aqui, o papel da convivência é essencial. Sem comunidades de suporte que nos ajudem nesses momentos difíceis por que todos passamos, em que é preciso alcançar uma força de vontade tal que às vezes parece estar acima de nossas capacidades, às vezes é impossível agir da forma moralmente correta. Não é outra a função de comunidades como "alcoólatras anônimos", "vigilantes do peso", etc. A família, os amigos, a comunidade (incluindo a igreja, se for mais "apoiativa" do que "condenativa") são também essenciais aqui.
Como se pode ver, educação moral é algo complexo. A escola, enquanto instituição, pode contribuir bastante para ela – muito mais do que hoje o faz. Mas nem de longe pode se desincumbir dela sozinha. E vimos, no decorrer dessa breve exposição, o papel que a "competência emocional" exerce no processo.
Em Salto, 1º de março de 2006 [revisão de um texto antigo]