Uma análise das várias teorias de aprendizagem nos permite agrupá-las, grosso modo, em três grandes grupos:
a) Teorias que vêem a aprendizagem como sendo em grande medida decorrente do ensino — isto é, decorrente da ação de pessoas que sabem algo, ou sabem fazer algo, e ensinam a outros aquilo que sabem, ou sabem fazer.
b) Teorias que vêem a aprendizagem como sendo em grande medida decorrente de atividades da própria pessoa que aprende, atividades essas que englobam a observação e a imitação, a investigação e a pesquisa, o estudo e a reflexão.
c) Teorias que vêem a aprendizagem como sendo em grande medida decorrente de interação entre as pessoas, interação essa que se manifesta através da troca de idéias, do diálogo, da discussão e da crítica.
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Embora nenhuma aprendizagem seja totalmente passiva, é evidente que o grau de passividade do aprendente nas teorias do tipo "a" é muito maior do que nas outras duas. É por exigir do aprendente uma postura ativa que prefiro caracterizar as teorias do tipo "b" e "c" como teorias de aprendizagem ativa. Vou, portanto, reservar a elas a atenção.
Quando alunos se envolvem em projetos de aprendizagem, sua aprendizagem deixa de ser passiva e passa a ser ativa: para aprender, eles precisam fazer algo que vá além de prestar atenção. Esse aspecto ativo da aprendizagem – esse "fazer algo" – não precisa, necessariamente, envolver ação física – mas ela certamente não está excluída.
As principais modalidades de aprendizagem ativa, já mencionadas anteriormente, são:
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Aprendizagem Exploratória, por Observação e Imitação, Investigação e Pesquisa, Estudo e Reflexão
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Aprendizagem Colaborativa, por Troca de Idéias, Diálogo, Discussão, e Crítica
Refiro-me a Paulo Freire, em passagem em que diz que "ninguém educa ninguém, como tampouco ninguém se educa a si mesmo", pois o ser humano se educa em sua convivência – que ele chama de "comunhão" – com outros seres humanos [1]. É importante não esquecer, porém, que a comunhão de espíritos entre seres humanos pode acontecer de mais de uma maneira, direta ou indireta, interativa ou não-interativa, sendo possível, portanto, caracterizar pelo menos duas modalidades de comunhão de espíritos – que correspondem às duas modalidades de aprendizagem ativa.
Aprendizagem Exploratória, por Observação e Imitação, Investigação e Pesquisa, Estudo e Reflexão
A primeira modalidade de aprendizagem ativa, que também pode se denominar Aprendizagem Exploratória [2], inclui situações como as seguintes:
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quando temos acesso ao que outros seres humanos escreveram ou produziram (artigos, livros, sites na Internet, composições musicais, fotografias, filmes, pinturas, esculturas, etc.), e refletimos sobre esse legado, com o intuito de encontrar subsídios para nossas tentativas de responder às nossas próprias questões, de resolver os nossos próprios problemas, ou de simplesmente usufruir o que de belo nos é dado pela atividade criativa inteligente do ser humano;
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quando, na busca de resposta a alguma pergunta ou solução a algum problema, que sempre herdamos de outros seres humanos, nos propomos estudar, pesquisar ou investigar a questão, pela observação pura e simples da natureza, pela experimentação, ou pelo estudo das tentativas de outrem, com o intuito de descobrir uma resposta ou inventar uma solução que possa ser útil – para nós ou para os outros;
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quando, com o intuito de compartilhar com outros seres humanos o que aprendemos, tentamos escrever ou produzir alguma obra (como um artigo, um livro, um site na Internet, uma composição musical, uma fotografia, um filme, uma obra de arte, etc.);
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quando observamos a ação de outros seres humanos, mesmo que eles não saibam que os estamos observando, e refletimos sobre essa ação, procurando descobrir o que os leva a agir desta ou daquela forma, quais são as convicções e os valores que aquele comportamento exemplifica, etc., com o intuito de tirar lições para a nossa própria vida;
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quando, depois de ter em mãos todas as informações necessárias, encontramos uma nova forma de olhar para elas ou de "navegar" por elas [3].
Outros seres humanos são parte essencial dessa modalidade de aprendizagem, pois ela envolve comunhão de espíritos, ainda que essa comunhão se dê sem interação direta com eles (razão pela qual alguns chamam essa modalidade de aprendizagem ativa de Auto-Aprendizagem). Quando estudamos, pesquisamos, e investigamos, quando refletimos sobre as ações dos outros, ou quando tentamos lhes comunicar nossas experiências, idéias e sentimentos aprendemos muita coisa. Esse aprendizado, que se dá sempre em função de algum interesse nosso, exige ação de nossa parte – ainda que seja a ação de observar os outros e refletir sobre o que estão fazendo – e não se compara com o aprendizado que a escola tradicional espera que os alunos tenham – que, além de passivo, tem, em regra, como objeto, informações que não se relacionam com seus interesses.
b. Aprendizagem Colaborativa, por Troca de Idéias, Diálogo, Discussão, e Crítica
A segunda modalidade de aprendizagem ativa, que também pode ser denominada de , de Aprendizagem Colaborativa, porque ela não acontece sem a colaboração dos outros [4]. Ela inclui situações em que intencionalmente nos colocamos em posição de interagir com outros seres humanos, seja com o intuito claro e explícito de aprender, seja com o intuito de fazer alguma outra coisa, como, por exemplo, nos entreter, ou mesmo fazer passar o tempo, que acaba por produzir a aprendizagem como sub-produto. Nesta modalidade de aprendizagem aprendemos pela troca de idéias e informações, pela discussão, pela crítica recíproca, pelo reforço emocional mútuo – enfim, pela colaboração e pelo diálogo.
Essa segunda modalidade de aprendizagem pode se dar no plano presencial – quando as pessoas estão presentes no mesmo local na mesma hora – ou, alternativa cada vez mais viável, no plano virtual – quando as pessoas colaboram e dialogam a distância, usando espaços e ambientes virtuais criados pela tecnologia (até mesmo por uma tecnologia simples e antiga como a correspondência convencional) para aprender.
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É preciso ressaltar que as duas modalidades de aprendizagem ativa envolvem comunhão de espíritos – noção para a qual Paulo Freire chama a nossa atenção – e que, portanto, nenhuma delas, nem mesmo a primeira, que também é chamada de auto-aprendizagem, deve ser caracterizada como uma aprendizagem em isolamento do outro, uma aprendizagem sozinho, no sentido literal.
NOTAS
[1] Paulo Freire, Pedagogia do Oprimido (Editora Paz e Terra, Rio de Janeiro, 6ª edição, 1979), p.79.
[2] Outros rótulos dados a essa modalidade de aprendizagem são: Aprendizagem por Descoberta, denominação que enfatiza mais o resultado do que o processo, e Auto-Aprendizagem, denominação que chama a atenção para o fato de que ela acontece, em regra, sem contato direto e interativo com outros seres humanos.
[3] A Internet, por exemplo, através da World Wide Web, não só nos permite, como nos impõe, uma nova maneira de navegar pelas informações. Na Web não temos apenas textos: temos hipertextos, textos com links, textos que nos levam a outros textos, não de forma linear, como os textos tradicionais, mas ao sabor da associações de idéias (nossas e de quem construiu os sites que visitamos). Eis o que diz Andrea Cecília Ramal em Entrevista a Renato Deccache in Folha Dirigida, 10 de Outubro de 2002: "Folha Dirigida – Por que a senhora afirma que a Internet representa um novo paradigma para a educação? Andrea Ramal – Eu venho realizando uma pesquisa há dez anos sobre esse tema, que tenta verificar como mudou a mentalidade humana a partir do uso do hipertexto. Então, minha teoria é de que, escrevendo linearmente, as pessoas desenvolvem um determinado tipo de estrutura mental. E por navegar em hipertexto, elas estão, hoje em dia, desenvolvendo um outro tipo de estrutura mental capaz de fazer links, relacionar conhecimentos, de promover a própria autoria, porque, quando um indivíduo navega, ele é o autor de seu próprio percurso. Além disso, essa pessoa, ao mesmo tempo, desenvolve maior capacidade de comunicação com outros porque ela acaba fazendo parte de um grande autor coletivo, que é esse universo de pessoas que estão cadastrando conhecimento, conteúdo e informação na Internet. E o que isso gera? Uma série de relações com o conhecimento que a escola, até hoje, não conseguiu produzir. Por quê? Porque a escola ainda é linear. Ela é estruturada em cima de um currículo que se forma como degraus. Tenho de estudar um conteúdo para, só depois, estudar um outro; tenho de reunir todas as crianças por idade e não por interesses ou projeto de pesquisa; tenho de dar a elas textos em que elas não podem ser autoras mas em que elas têm de descobrir o que o autor quis dizer. Então, a Internet, por trazer esse elemento digital e intertextual, que torna o conhecimento fluido, móvel, dinâmico, provoca a escola tradicional. Por isso, digo que a escola não será mais a mesma depois da relação das pessoas com o conhecimento através de meios digitais. Folha Dirigida – A senhora considera que ainda vai demorar muito para a escola incorporar, em sua plenitude, todas estas mudanças? Andrea Ramal – Por tradição, a escola é lenta para mudar. E isso não é um aspecto negativo, no meu modo de ver. Isto indica que na escola existem profissionais reflexivos, que não mudam por modismos. Eles têm de ter muita segurança para mudar. Mas, nesse momento específico, acho que a mudança será mais rápida porque não existe como optar por ela. Nós já estamos na cibercultura. Não se trata de uma escola escolher se quer ou não ter um currículo hipertextual ou em rede. Ela terá este currículo porque o aluno já vai participar disso no mundo exterior à escola."
[4] Um outro rótulo para essa modalidade de aprendizagem é Aprendizagem Dialógica, porque o conceito de diálogo engloba a troca de idéias de idéias, a discussão e a crítica.
(*) Passagem retirada de meu livro, no prelo (Julho de 2003), Uma Nova Educação para uma Nova Era.
Em Salto, 11 de maio de 2006 [reproduzido de material constante eu meu site http://mathetics.net]