Inacreditável.
60% das pessoas com sete anos de escolaridade não conseguem entender o que lêem. É o que mostra reportagem publicada na Folha de domingo comentada por Fernando de Barros e Silva na Folha de hoje (27/Jul/2010).
Fernando de Barros e Silva chama a atenção para ainda outra pesquisa.
"Imagine que você está lendo a seguinte recomendação médica: ‘Tomar com o estômago vazio 1 hora antes da refeição ou 2-3 horas após a refeição’. E que deve responder depois a seguinte pergunta: ‘Se você fosse almoçar às 12h e quisesse tomar a medicação antes do almoço, a que horas deveria tomá-la?’. De cada quatro pessoas, uma é incapaz de responder corretamente a uma questão como essa."
Isso significa que o número de reais analfabetos — analfabetos funcionais — é bem maior, no Brasil, do que os 21% da população apontados pelo IBGE, que aparentemente considera analfabeto funcional apenas quem tem menos de quatro anos de escolaridade. Se 60% das pessoas com sete anos de escolaridade não conseguem entender o que lêem num texto relativamente simples, como o da recomendação médica mencionada, estamos perdidos.
Nenhuma nação se torna desenvolvida com índices como esses.
O problema tem repercussões sérias em todos os níveis.
Entrevista do diretor da Escola Politécnica da USP na CBN, ontem, esclareceu que, no Brasil, há 180 mil vagas disponíveis anualmente nos cursos de Engenharia. Dessas, 150 mil são preenchidas. Dos 150 mil que entram nos cursos de Engenharia, só se formam 30 mil (ou seja, 20%). E boa parte dos que concluem o curso são muito mal formados, não só nas disciplinas de Engenharia, como nas disciplinas básicas: não há como contrátá-los. Se alguém os contratasse, teria de deixá-los em formação por um bom tempo antes de lhes confiar alguma tarefa.
É por isso que o Brasil tem deficit de engenheiros. Para o Pré-Sal, a Petrobrás procura engenheiros capacitados e não os encontra.
É o fim da picada.
As razões para a perda de 80% dos alunos dos cursos de Engenharia são várias. Essa perda acontece nos cursos melhores, das universidades gratuitas, porque os alunos não conseguem acompanhar aquilo que é ensinado nas aulas. Nas escolas mais fracas, particulares, tenta-se ajustar o nível de ensino à capacidade dos alunos, mas mesmo assim muitos não conseguem acompanhar — e dos que conseguem, muitos deles não conseguem pagar as altas mensalidades.
Enfim. Em breve seremos a quinta economia do mundo, segundo dizem os entendidos. Mas continuaremos a ser uma nação de sub-desenvolvidos, com um IDH que nos coloca entre nações que não têm o nosso potencial em termos de tamanho geográfico, população, recursos naturais.
Eis o artigo do Fernando de Barros e Silva.
———-
Folha de S. Paulo
FERNANDO DE BARROS E SILVA
Educação sem remédio
SÃO PAULO – Os indicadores positivos estão na moda no Brasil, mas o país sempre insiste em nos lembrar que o buraco é mais embaixo.
Imagine que você está lendo a seguinte recomendação médica: "Tomar com o estômago vazio 1 hora antes da refeição ou 2-3 horas após a refeição". E que deve responder depois a seguinte pergunta: "Se você fosse almoçar às 12h e quisesse tomar a medicação antes do almoço, a que horas deveria tomá-la?". De cada quatro pessoas, uma é incapaz de responder corretamente a uma questão como essa. É o que conclui a pesquisa do neurologista Ricardo Nitrini, após entrevistar 312 adultos alfabetizados (com graus diferentes de instrução formal) que acompanhavam pacientes no Hospital das Clínicas, em São Paulo.
Como mostrou reportagem da Folha no domingo, entre as pessoas com até sete anos de estudos, quase 60% não conseguiram entender o que liam. Foram, em tese, alfabetizados, mas não compreendem o significado do que está escrito. São "analfabetos funcionais".
O IBGE contabilizou, em 2008, 21% de analfabetos funcionais no país. Seriam aqueles com menos de quatro anos de escolaridade. Vários estudos, porém, apontam que o índice de analfabetismo funcional é, na realidade, bem mais alto. Quantos brasileiros entram e saem do ensino médio (o antigo colegial) sem alcançar o estágio da compreensão elementar de um texto?
O crítico literário Antonio Candido escreveu em 1970 (lá se vão 40 anos!) um ensaio muito importante: "Literatura e Subdesenvolvimento". Ali, equacionava o drama do analfabetismo e dizia que, numa sociedade como a nossa, a alfabetização não iria criar na mesma proporção leitores de literatura, mas, antes, "atirar os alfabetizados, junto com os analfabetos, diretamente da fase folclórica para essa espécie de folclore urbano que é a cultura massificada".
São linhas incrivelmente atuais. De lá para cá, será que o problema se agravou ou estamos melhorando?
———-
Em São Paulo, 27 de Julho de 2010