Em defesa do direito de não ser perfeito

A crônica de Ruy Castro hoje na Folha é perfeita – exatamente por defender o nosso direito de não ser perfeito.

Ruy Castro discorre sobre algo que foi dito por João Marcello Bôscoli – filho da quase perfeita (enquanto cantora) Elis Regina (e também filho de Ronaldo Bôscoli e enteado de Carlos Camargo Mariano). Gente que, se a genética vale alguma coisa, deve entender de música.

Leia abaixo a crônica.

Mas, antes, eu acrescento, como de praxe, meus comentários.

A indústria do software parece querer nos “salvar da imperfeição”.

Não sei se começou com Photoshop. Talvez não. Possivelmente Photoshop apenas colocou ao alcance de nós, mortais, o que já estava disponível para profissionais.

Lembro-me de como fiquei chocado, já há muito tempo, quando visitei a redação da Playboy, na Editora Abril, acompanhando alguns americanos que queriam fazer uma parceria com uma grande editora brasileira. Ali vi monitores de computadores enormes, de altíssima resolução, com software sofisticado operado com teclado, joystick e trackball, cuja função era remover as imperfeições das fotografadas da revista. O software, nas mãos hábeis dos artistas gráficos, removia barriguinhas salientes demais, aumentava e reconfigurava bumbuns pequenos demais (aos olhos das preferências masculinas típicas), reduzia, aumentava, endurecia e levantava seios, melhorava lábios, eliminava papadas e rugas, tirava manchas na pele, escurecia a foto quando ela mostrava (como diz o mineiro) “demais da conta”… (Algumas coisas, quando mostradas “demais da conta”, perdem o seu encanto). Enfim: o software produzia uma versão fotográfica perfeita de uma fotografada fisicamente ou esteticamente imperfeita – como a Hortência, por exemplo.

Já existe, sei disso, um software que faz algo equivalente, não apenas em fotografias isoladas, como as da Playboy, mas com vídeo (para as novelas, por exemplo). Esse “software de rejuvenescimento” permite que atrizes sessentinhas possam aparecer em séries como “As Cinqüentinhas”… Ele rejuvenesce seqüências de fotos, no vídeo, on the fly. Faz nossas Reginas Duartes e Suzanas Vieiras aparecerem perfeitas nas novelas e séries – apesar das imperfeições que (do ponto de vista físico ou estético) as acometem (como a todo mundo que tem a ventura de não morrer jovem).

Agora vem Auto-Tune – o software que remove os desafinamentos do cantor. Mas não só isso: corrige também a respiração, as pausas, o volume de voz, o alcance, etc.. Fiquei otimista. Imaginei de imediato que versões futuras do software possam permitir que nossas vozes recebam o timbre do cantor de nossa escolha e, assim, eu possa, quem sabe, finalmente me sinastrizar: cantar My Way com a naturalidade e a beleza com que Ol’ Blue Eyes a cantava…  Ou cantar A Deusa da Minha Rua como Nelson Gonçalves… Ou possam me permitir tornar-me um travesti cantante, assumindo a voz de Maria Bethania cantando Roberto Carlos (As Canções que Você Fez pra Mim), ou, maior desafio ainda, Ney Matogrosso cantando Lupicínio (A Flor da Pele)…

Enfim: a indústria do software quer nos “salvar da imperfeição” e nos tornar, a nós humanos musicais, como os deuses da música… Perfeitos.

Mas Ruy Castro está na contra-corrente. Ele quer nos “salvar da perfeição”. Sua crônica é uma versão secular do livro Salvos da Perfeição: Mais humanos e mais perto de Deus, do pastor protestante Elienai Cabral Junior (vide http://www.ultimato.com.br/?pg=show_livros&util=1®istro=531 e também o blog do autor, O Blog do Elienai: http://elienaijr.wordpress.com/). Já comentei o livro do Elienai aqui, neste space, mais de uma vez. Elienai afirma que o Evangelho (contrário ao que acreditam e pregam alguns), nos salvou da necessidade de buscar a perfeição. Ele é a mensagem de um Deus que, sendo Deus, e, portanto, perfeito, se fez homem (assim, com “h” minúsculo, e, portanto, imperfeito), e, assim, ao se tornar homem, nos liberou do imperativo de nos tornarmos Deus, o único que era de fato perfeito (mas que, ao encarnar, optou pela imperfeição humana)… A queda humana, segundo Gênesis 3:5, se deu porque o ser humano quis ser como Deus: a serpente tenta a mulher dizendo que, se ela e seu marido comerem do fruto proibido, “sereis como Deus”. A salvação do homem vem quanto ele, reconhecendo a futilidade de se tornar como Deus, percebeu que Deus já se tornou homem, e, portanto, não há por que devamos querer ser deuses, ou ter a perfeição deles.

Enfim. Ruy Castro conclui: “O filho da cantora mais afinada do Brasil defende os desafinados no que eles têm de mais precioso: sua falível condição humana, essencial à obra de arte”.

Em outras palavras: Ruy  Castro também defende a nossa falível condição humana, da qual, no Éden, tentamos desastrosamente fugir para sermos como Deus. O Deus do Velho Testamento nos condenou por tentar. O Deus do Novo, provavelmente já mais velho e de coração mais mole, vendo que queríamos ser como ele, optou por se tornar como nós…

Amém. Ou, como preferem alguns pregadores de TV, “Amém, amém e amém”.

Admiro a Maria Bethânia, portanto, por sua teologia – que, se Feuerbach, estava certo, é sempre antropologia. Ela se deixa envelhecer naturalmente, não esconde os cabelos brancos, as rugas, não faz plástica, não usa botox. Ela é o que ela é. Um ser humano. E não precisa nem mostrar o seio, que a gente sabe que ela tem, como o fez a outra baiana, a Gal, num gesto bobo, pobre e de mau gosto. Bethânia é uma cantora que, apesar dos anos, continua a ter uma voz e uma interpretação quase perfeitas, sem software, mas um rosto e um corpo que mostram que ela é humana como todos nós. “Humanum sum et nihil humanum a me alienum puto” (Terêncio).

Eis a crônica do Ruy Castro.

———-

Folha de S. Paulo
5 de Junho de 2010

RUY CASTRO

Proibido não ser perfeito

RIO DE JANEIRO – No sábado último, em belo artigo, o Caderno 2 do “Estado” anunciou “A morte da voz humana”. Nenhum exagero no título. O Auto-Tune -o software que “corrige” a afinação dos cantores- está criando padrões de perfeição inatingíveis para humanos, oferecendo a recompensa sem esforço e tornando dispensáveis a vocação, o talento e o mérito na música popular. “É como se Ronaldinho Gaúcho usasse uma chuteira que acertasse o gol por si. Treinar pra quê?”, pergunta o autor.

O grito foi dado por quem tem toda autoridade para fazê-lo: João Marcello Bôscoli, 40 anos, músico, produtor e diretor de gravadora. Como se não bastasse, filho de Elis Regina e do compositor Ronaldo Bôscoli, um dos criadores da bossa nova, e que teve como padrasto o pianista César Camargo Mariano, com quem Elis se casou ao se separar de Bôscoli. Nunca houve gente mais exigente em música.

Para João Marcello, pior até do que dar afinação a quem não tem, o Auto-Tune está fazendo com a voz o que o Photoshop fez com a pele humana. Assim como o Photoshop “gerou um padrão estético onde poros, rugas de expressão, pelos e outras características se tornaram defeitos”, o Auto-Tune passa o rodo e “corrige” tudo o que considera imperfeito no cantor: afinação, respiração, pausas, volume, alcance -sem se importar se pertencem à sua expressão e emoção.

Ele vai mais longe: “Hoje em dia tomamos remédio quando sentimos tristeza, comemos lixo pré-mastigado quando temos fome, dopamos as crianças quando estão agitadas, passamos horas no computador quando nossa vida parece desinteressante” etc. -e “usamos softwares de afinação quando temos um cantor desafinado”.

O filho da cantora mais afinada do Brasil defende os desafinados no que eles têm de mais precioso: sua falível condição humana, essencial à obra de arte.

———-

Em São Paulo, 5 de Junho de 2010 (de madrugada); levemente revisto em São Paulo, 20 de Março de 2018.

Publicidade

“Vitrines de Amsterdã”

O artigo de João Pereira Coutinho na Folha de S. Paulo de hoje toca em vários assuntos já discutidos aqui: a obsessão com a exposição e o aparente desprezo pela privacidade, o sentido da amizade na Internet, e as virtudes do esquecimento.

Discordo de alguns pontos.

Os contatos na Internet (FaceBook, por exemplo) não são, a meu ver, amizades: são apenas contatos, mesmo. Também tenho poucos amigos. Mas tenho milhares de contatos. Não sei se meus poucos amigos se fizeram por acaso, como pretende Coutinho.

Apesar das discordâncias, vale a pena ler o artigo.

———-

Folha de S. Paulo
20 de Abril de 2010

JOÃO PEREIRA COUTINHO
Vitrines de Amsterdã


É porque existe um espaço só nosso que há liberdade de pensarmos como entendemos


RECEBO CONVITES de amizade todos os dias. Por e-mail. Alguém deseja ser meu amigo e convida-me para integrar uma lista virtual em que existem dezenas ou centenas ou milhares de amigos virtuais. A pretensão encanta-me e remete-me para memórias de infância. No recreio da escola, alguém se aproximava, alguém perguntava: "Queres ser meu amigo?".

A comparação é talvez ofensiva para a infância: nesses tempos, havia pelo menos o contato real com um ser humano real. Hoje, nem isso: a palavra "amizade", usada na internet, é uma traição da sua natureza verdadeira. A amizade não é um convite. É um acaso. O melhor de todos os acasos.

E quem é amigo de dezenas, ou centenas, ou milhares de pessoas, obviamente não é amigo de uma só. A amizade implica tempo, disponibilidade. E, como no amor, existe na amizade uma dimensão de sacrifício e exclusividade que o ruído cibernauta contamina. Na minha vida profissional, conheço dezenas de pessoas.

Mas os meus amigos são tão poucos que não excedem os dedos de uma mão.

Recebo convites de amizade todos os dias. Todos os dias nada respondo, uma forma educada de recusar perguntas que não se fazem. Mas sei que pertenço a uma espécie em vias de extinção.

Conta o "Courrier Internacional", na sua edição portuguesa, que o maior site social é o Facebook, com os seus 350 milhões de utilizadores. Se fosse um país, o Facebook seria o terceiro mais povoado, depois da China e da Índia.

Um admirável mundo novo? Será. Mas um mundo novo traz dilemas novos. E novas ameaças. Não falo da ameaça metafísica, ou existencial, de sermos incapazes de manter ligações significativas com alguém. As ameaças lidam também com a privacidade, ou com o valor que conferimos à privacidade num mundo onde nos expomos e espiamos.

Ainda segundo a revista, e só nos EUA, um adolescente em cada cinco e um jovem adulto em cada três já enviou fotografias ou vídeos seus onde estão nus ou seminus. Mas não é preciso entrar nessas doces pornografias para ver nas "redes sociais" o que os turistas encontram nas vitrines de Amsterdã: a revelação pública da intimidade. Em fotos ou palavras. Lamentos ou pensamentos.

Alguns especialistas discordam. E defendem que, no mundo moderno, não faz mais sentido defender a esfera privada. Porque tudo é privado; ou, inversamente, tudo é público, o que facilita a comunicação, a partilha e, em certos casos, a denúncia da violência e da arbitrariedade.

Não estou convencido. Creio, aliás, no oposto: a conquista da privacidade, só possível no Ocidente com a emergência do Cristianismo, não foi apenas importante ao garantir aos homens um refúgio último e pessoal em que a consciência, e não a pressão da turba, é soberana. A conquista da privacidade, conferindo a Deus o que é de Deus e a César o que é de César, permitiu também o culto de outras liberdades.

Como relembra o escritor Jordi Soler no mesmo número da revista, é precisamente porque existe um espaço nosso, e só nosso, que existe também a liberdade de pensarmos como entendemos; de nos reunirmos com quem quisermos; e de nos expressarmos sem temer as interferências do poder político com a sua pata potencialmente censória.

Quando expomos voluntariamente a nossa privacidade, estamos voluntariamente a entregar a desconhecidos o que levou séculos a conquistar e preservar. Uma rendição da nossa identidade. Não será de espantar, por isso, que comecem a surgir vozes preocupadas. Como Alex Türk, presidente da Comissão Nacional de Informática e Liberdade, da França. Para Türk, todos os interessados deveriam poder solicitar às autoridades judiciais e aos servidores de internet o "direito ao esquecimento". O direito a podermos apagar do mundo virtual as pegadas que fomos deixando, e que outros foram copiando, sobre os nossos trajetos passados.

Num dos seus contos mais notáveis, "Funes el Memorioso", Jorge Luis Borges construiu uma parábola sobre um homem incapaz de esquecer. O conto de Borges não é apenas a descrição sardônica do infeliz e insone Funes, que após acidente juvenil passou a registrar, com precisão patológica, cada minuto, gesto, palavra ou imagem do mundo em volta. Uma coleção interminável que o impede de viver normalmente. O conto é uma elegia sobre a importância do esquecimento. Porque sem esquecimento não existe liberdade para continuarmos ainda e um pouco mais.

jpcoutinho@folha.com.br

———-

Em São Paulo, 20 de Abril de 2010

A felicidade

No dia 6 de Maio de 2005 (cinco dias antes de encontrar a Paloma no SENAC da Lapa) ministrei uma palestra na PUC do Rio de Janeiro, num evento patrocinado pelo Instituto Telemar (hoje Instituto Oi Futuro), cuja coordenação, na área da educação, estava nas mãos de Maíra Pimentel – como, de resto, continua até hoje. Escolhi como tema e título para a palestra o seguinte:

“A educação, a felicidade, o tempo e a vida”.

Comecei falando sobre a educação e a escola. Disse que a educação que faz com que aprendamos a viver e a fruir a vida pouco tem que ver com aquela educação que receebemos na escola. A maior parte do que a gente aprende na escola não serve pra viver… E isto porque ou não serve pra nada, ou só serve pra gente continuar na escola…

A educação que importa, a educação que faz com que aprendamos a viver e a fruir a vida, a gente a adquire vivendo… e fruindo a vida.

No meu Discurso de Formatura no Curso Clássico, em Novembro de 1963,citei uma quadrinha de um poeta de Americana, Antonio Zoppi, encontrada em um livrinho chamado Uma Vida que Nasce, que dizia:

Sapiência não se esmola,
Tem de ser adquirida:
Na doce vida da escola
Ou na acre escola da vida.

Já estava parcialmente preocupado com a temática naquela Primavera de 1963. Meu discurso assinalava (entre outras coisas) que no JMC (escola do tipo internato em que fiz o Curso Clássico) a gente aprendia nas aulas mas também muito (e coisas mais importantes) na vida ali no internato, fora das aula. Ali, fora das aulas, o JMC era uma escola de vida, melhor, talvez, do que a escola circunscrita pelas paredes das salas de aula. Mas a quadrinha de Zoppi enfatiza que a vida, ela própria, é uma escola (mesmo quando não tem relação nenhuma com qualquer a escola, dentro ou fora das salas de aulas). 

Fiz um levantamento, nos mais de 30 anos em que dei aula para as primeiroanistas do curso de Pedagogia da UNICAMP, sobre os objetivos possíveis para a escola. Listava vinte possíveis objetivos para a escola e pedia que elas os hierarquizassem segundo sua preferência. Aquele que fosse o principal objetivo da escola ficaria em primeiro lugar. E assim por diante. O objetivo colocado em vigésimo lugar, não seria, na realidade, um objetivo que a escola deveria perseguir.

“Ajudar os alunos a alcançar a felicidade” sempre apareceu em penúltimo lugar. (Em último lugar sempre apareceu: “Ajudar os alunos a alcançar sucesso financeiro”.

No tocante à felicidade, isso é, no meu entender, uma séria aberração. A felicidade tem que ver com nosso projeto de vida e com nossos valores.

Ser feliz (diferentemente de estar contente), é uma condição duradoura, não um estado momentâneo. É feliz aquele que, sobre o alicerce de seus valores, é capaz de definir seu projeto de vida e transformá-lo em realidade. Em outras palavras, feliz é aquele cujos valores determinam os seus sonhos e que é capaz de transformar os seus sonhos em realidade.

Transcrevo abaixo um artigo de Stephen Kanitz, publicado na VEJA de 22 de Junho de 2005 – quarenta e cinco dias depois da minha palestra. O artigo definir a felicidade. É um artigo interessante, que vale a pena ler. Mas, estranhamento, o artigo não menciona valores. E isso considero uma falha grave.

Diz Kanitz:

“O conceito de felicidade que uso em meu dia-a-dia é difícil de explicar num artigo curto. Eu o aprendi nos livros de Edward De Bono, Mihaly Csikszentmihalyi e de outros nessa linha. A idéia é mais ou menos esta: todos nós temos desejos, ambições e desafios que podem ser definidos como o mundo que você quer abraçar. Ser rico, ser famoso, acabar com a miséria do mundo, casar-se com um príncipe encantado, jogar futebol, e assim por diante. Até aí, tudo bem. Imagine seus desejos como um balão inflável e que você está dentro dele. Você sempre poderá ser mais ou menos ambicioso inflando ou desinflando esse balão enorme que será seu mundo possível. É o mundo que você ainda não sabe dominar. Agora imagine um outro balão inflável dentro do seu mundo possível, e portanto bem menor, que representa a sua base. É o mundo que você já domina, que maneja de olhos fechados, graças aos seus conhecimentos, seu QI emocional e sua experiência. Felicidade nessa analogia seria a distância entre esses dois balões – o balão que você pretende dominar e o que você domina. Se a distância entre os dois for excessiva, você ficará frustrado, ansioso, mal-humorado e estressado. Se a distância for mínima, você ficará tranqüilo, calmo, mas logo entediado e sem espaço para crescer. Ser feliz é achar a distância certa entre o que se tem e o que se quer ter.”

Para ele, portanto, como se constata na última frase, “ser feliz é achar a distância certa entre o que se tem e o que se quer”.

Para ele, ser feliz não é, necessariamente, eliminar essa distância, conseguindo ter tudo o que se quer. Muitas vezes, queremos muito uma coisa (ou uma pessoa), e quando a alcançamos, o ter aquela coisa (ou aquela pessoa) não mais nos faz feliz – porque agora passamos a querer mais…

Se não conseguimos nem sequer encurtar um pouco a distância entre o que se tem e o que se quer, tendemos a desanimar, achando que a felicidade não existe – é uma quimera.

A felicidade, para ele, está em contrar “a distância certa” entre aquilo que se tem e aquilo que se quer. O sonho deve sempre ser ajustado de modo a ficar um pouco à frente da realidade, para que haja uma tensão sadia entre o sonho e a realidade que nos motiva e nos leva a continuar lutando.

É muito interessante essa sugestão… Só faltam os valores.

Valor é aquilo que a gente luta para ganhar ou manter…

Há valores que são meios, coisas que só se tornam valores porque nos permitem fazer coisas que de fato queremos (e.g. dinheiro)

A realização da nossa vida, no sentido mais pleno do termo, isto é, não a nossa mera sobrevivência, é o valor maior que temos – o valor que não é meio para nada, que é um fim em si mesmo. essa realização é a nossa felicidade. O que nos traz a felicidade é a realização de nossos valores  – não o alcançar daquilo que meramente queremos.

Como já disse no post anterior, tomando emprestada uma idéia de Karl Popper, o que torna a vida o valor supremo é o fato de ela ter duração limitada e desconhecida: pode terminar a qualquer hora… Os jovens em geral não se dão conta disso: pensam que têm todo o tempo do mundo. São os mais velhos que em geral percebem que seu recurso mais valioso não é dinheiro ou qualquer outro: é tempo… Tempo de vida.

Tempo é vida!

E onde fica a educação nisso tudo?

O ser humano nasce incompetente e, por causa disso, totalmente dependente, sem autonomia, sem ser capaz de assumir responsabilidade pelos seus atos, pelo seu destino. 

Mas nasce com uma enorme capacidade de aprender. Aprender é se tornar capaz de fazer aquilo que antes não se era capaz de fazer.

A educação é o processo que, através da aprendizagem, nos torna competentes para viver e autônomos para escolhar nossa vida

Viver não é apenas sobreviver, manter-se vivo… Viver é ser capaz de fruir a vida, ser feliz… O papel fundamental da educação é nos ajudar a viver a vida que, com base em nossos valores (aquilo que lutamos para ganhar ou manter), escolhemos para nós mesmos…

Assim, o papel fundamental da educação é nos a definir um projeto de vida, com base em nossos valores, e transformá-lo em realidade. Em outras palavras: o papel fundamental da educação é nos ajudar a ser felizes…

O tempo é um recurso interessante… É igual para todos: um dia tem 24 horas para todo mundo, rico ou pobre, culto ou inculto, britânico, suíço ou brasileiro. No entanto, uns conseguem fazer muita coisa em um dia, outros vêem os dias passar sem conseguir fazer grande coisa…

Administrar o tempo não é tornar-se escravo do tempo, mas tornar-se senhor dele. Administrar o tempo não é ficar obsecado com o relógio: é definir prioridades e levá-las a sério. Tem tempo, não aquele que não faz nada, mas aquele que sabe administrar prioridades e fazer o que realmente importa para ele.

Não somos donos de boa parte de nosso tempo – pois o vendemos (em troca de dinheiro)… Mas a importância do dinheiro está no fato de que ele também nos permite comprar tempo.  A solução do dilema está em conseguir ganhar dinheiro fazendo o que realmente importa…

Ser produtivo, portanto, não é estar sempre ocupado. (Na verdade, gente muito ocupada em geral não é muito produtiva…). Ser produtivo é saber administrar o tempo, ter prioridades, ter sentido de direção, saber para onde se vai.

Administrar o tempo, em última instância, é planejar estrategicamente a vida

Quem dentre nós tem um projeto de vida, ou seja, realmente sabe o que deseja e espera da vida?

Quem dentre nós tem um plano para onde deseja estar na vida daqui a 5, 10, 20, 50 anos?

“Quem não sabe para onde vai nunca vai chegar lá – ou acaba indo para qualquer lugar” (Vide Alice no País das Maravilhas).

A importância da administração do tempo está em que, quando acaba o nosso tempo, acaba a nossa vida… Quem administra o tempo, ganha vida, ainda que viva o mesmo tempo que os outros. Prolongar a vida não é algo sobre o qual tenhamos muito controle. Mas ganhar mais vida, administrando o tempo, está ao alcance de todos!

Para planejar estrategicamente a vida o primeiro passo é determinar onde estamos e escolher aonde queremos chegar. Escolher aonde queremos chegat é definir um projeto de vida.

A natureza da educação tem que ver com mudança: transformar o ser incompetente, dependente, inautônomo, arresponsável que nasce em um adulto capaz, competente, livre, autônomo para escolher sua vida e responsável pelas escolhas que faz…

Muitos de nós tentamos mudar os outros, ou as instituições, antes de entender que a mudança começa conosco: em realidade, só conseguimos mudar a nós mesmos

A educação deve ser voltada para a vida, nos capacitar para viver a nossa vida. Isso envolve a construção de competências, habilidades, valores, atitudes – e a aquisição de conhecimentos e informações. Mas a competência central é a de planejar estrategicamente a vida – para a qual a administração do tempo é essencial

Sem isso, ninguém será realmente feliz

———-

http://veja.abril.com.br/220605/ponto_de_vista.html 

Ponto de vista

Stephen Kanitz

Uma definição de felicidade

"Felicidade é um processo, e não um lugar onde finalmente se faz nada. Fazer nada no paraíso não traz felicidade, apesar de ser o sonho de tantos brasileiros"

Todas as profissões têm sua visão do que é felicidade. Já li um economista defini-la como ganhar 20.000 dólares por ano, nem mais nem menos. Para os monges budistas, felicidade é a busca do desapego. Autores de livros de auto-ajuda definem felicidade como "estar bem consigo mesmo", "fazer o que se gosta" ou "ter coragem de sonhar alto". O conceito de felicidade que uso em meu dia-a-dia é difícil de explicar num artigo curto. Eu o aprendi nos livros de Edward De Bono, Mihaly Csikszentmihalyi e de outros nessa linha. A idéia é mais ou menos esta: todos nós temos desejos, ambições e desafios que podem ser definidos como o mundo que você quer abraçar. Ser rico, ser famoso, acabar com a miséria do mundo, casar-se com um príncipe encantado, jogar futebol, e assim por diante. Até aí, tudo bem. Imagine seus desejos como um balão inflável e que você está dentro dele. Você sempre poderá ser mais ou menos ambicioso inflando ou desinflando esse balão enorme que será seu mundo possível. É o mundo que você ainda não sabe dominar. Agora imagine um outro balão inflável dentro do seu mundo possível, e portanto bem menor, que representa a sua base. É o mundo que você já domina, que maneja de olhos fechados, graças aos seus conhecimentos, seu QI emocional e sua experiência. Felicidade nessa analogia seria a distância entre esses dois balões – o balão que você pretende dominar e o que você domina. Se a distância entre os dois for excessiva, você ficará frustrado, ansioso, mal-humorado e estressado. Se a distância for mínima, você ficará tranqüilo, calmo, mas logo entediado e sem espaço para crescer. Ser feliz é achar a distância certa entre o que se tem e o que se quer ter.

O primeiro passo é definir corretamente o tamanho de seu sonho, o tamanho de sua ambição. Essa história de que tudo é possível se você somente almejar alto é pura balela. Todos nós temos limitações e devemos sonhar de acordo com elas. Querer ser presidente da República é um sonho que você pode almejar quando virar governador ou senador, mas não no início de carreira. O segundo passo é saber exatamente seu nível de competências, sem arrogância nem enganos, tão comuns entre os intelectuais. O terceiro é encontrar o ponto de equilíbrio entre esses dois mundos. Saber administrar a distância entre seus desejos e suas competências é o grande segredo da vida. Escolha uma distância nem exagerada demais nem tacanha demais. Se sua ambiç
ão não for acompanhada da devida competência, você se frustrará. Esse é o erro de todos os jovens idealistas que querem mudar o mundo com o que aprenderam no primeiro ano de faculdade. Curiosamente, à medida que a distância entre seus sonhos e suas competências diminui pelo seu próprio sucesso, surge frustração, e não felicidade.

Quantos gerentes depois de promovidos sofrem da famosa "fossa do bem-sucedido", tão conhecida por administradores de recursos humanos? Quantos executivos bem-sucedidos são infelizes justamente porque "chegaram lá"? Pessoas pouco ambiciosas que procuram um emprego garantido logo ficam entediadas, estacionadas, frustradas e não terão a prometida felicidade. Essa definição explica por que a felicidade é tão efêmera. Ela é um processo, e não um lugar onde finalmente se faz nada. Fazer nada no paraíso não traz felicidade, apesar de ser o sonho de tantos brasileiros. Felicidade é uma desconfortável tensão entre suas ambições e competências. Se você estiver estressado, tente primeiro esvaziar seu balão de ambições para algo mais realista. Delegue, abra mão de algumas atribuições, diga não. Ou então encha mais seu balão de competências estudando, observando e aprendendo com os outros, todos os dias. Os velhos acham que é um fracasso abrir mão do espaço conquistado. Por isso, recusam ceder poder ou atribuições e acabam infelizes. Reduzir suas ambições à medida que você envelhece não é nenhuma derrota pessoal. Felicidade não é um estado alcançável, um nirvana, mas uma dinâmica contínua. É chegar lá, e não estar lá como muitos erroneamente pensam. Seja ambicioso dentro dos limites, estude e observe sempre, amplie seus sonhos quando puder, reduza suas ambições quando as circunstâncias exigirem. Mantenha sempre uma meta a lcançar em todas as etapas da vida e você será muito feliz.

Stephen Kanitz é administrador por Harvard

(www.kanitz.com.br)

———-

Em São Paulo, 20 de Março de 2010

Tempus fugit… ergo, carpe diem

Que o tempo passa não é novidade alguma. Todo mundo sabe disso. Mas muitos não percebem que ele foge. Quem foge, anda depressa, corre. O tempo é assim. Passa depressa demais. Pela pressa com que passa, faz com que muitas vezes não o vejamos passar. O dia em que a gente falsificava a caderneta escolar para entrar em filme proibido para menores de 14 anos parece que foi ontem. Depois era a ânsia para que chegassem os 18 anos para a gente finalmente poder ver filme realmente proibido – hoje, quando filmes que eram realmente proibidos no meu tempo passam na Seção da Tarde, ninguém nem sequer entende a ansiedade com que a gente esperava os 18 anos… Depois, o medo de ficar velho aos 30… Tudo isso passa depressa, vôa…

Mais dois dias e chega o Outono — minha estação favorita. Será meu sexagésimo sétimo Outono. Nasci no finzinho do Inverno de 1943. Pena que, aqui em SP, as folhas das árvores não mudem de cor, em preparação para sua queda no Inverno. Mas mesmo sem o festival de cores, gosto do Outono. Talvez porque eu esteja no Outono da vida.

Meu sobrinho me perguntou no Facebook, quando dei as boas-vindas ao Outono de 2010: Como é o Outono da vida?

Tentei responder. Transcrevo aqui (com pequenas modificações: nunca consigo transcrever um texto meu sem modificá-lo um pouco).

A ordem em que dizemos as estações do ano é lógca: Primavera, Verão, Outono e Inverno.

A Primavera é a época que segue ao nascimento, em que as plantas brotam, vicejam, dão suas primeiras flores, frutificam pela primeira vez… As cores são novas, como nova é a pele das crianças e dos jovens: sem manchas e rugas.

O Verão é a época da exuberância da idade adulta, cheia de energia e realizações. É no Verão que em geral a nossa pele adquire manchas (em geral do Sol) e começa a se enrugar. É no Verão que as pessoas, inconformes com a passagem do tempo, começam a buscar as cirurgias plásticas…

No Outono, as folhas mudam de cor nas árvores, os cabelos, nas cabeças — e, em alguns casos, começam a cair, tanto as folhas como os cabelos. Mas há uma sensação de quietude e calma no ar. Nem o vento consegue balançar facilmente uma árvore totalmente sem folhas… Não há mais aquela ansiedade por fazer coisas no plano material. Há o desejo de fruir o que se construiu, e experimentar algumas delícias da vida para as quais não se teve tempo antes… É a hora de coletar e, quem sabe, botar no papel (ou no disco rígido) as memórias.

O Inverno… bem, o Inverno é o frio, os dias mais curtos e com menos luz, o prenúncio do fim. No caso das estações, prenúncio de um recomeço. Quem sabe no nosso caso também.

Muitos não chegam ao Outono, porque algum acidente, alguma doença, ou a vontade de algumm assassino não deixou. É um privilégio estar no Outono. É a época por excelência da fruitio vitae. A compensação de chegar à velhice, como uma vez disse a grande e sempre linda Ingrid Bergman, é que você adquire uma consciência viva de que não morreu cedo demais…

Mas, como disse um dia aquele estraga-prazeres do Rubem Alves, não é fácil, quando a gente chega ao Outono, passar a pensar em sua idade em termos, não de quantos anos você já viveu, mas em termos de quantos anos você ainda tem para viver… Mas a gente aprende. Karl Popper disse uma vez que o que torna a nossa vida valiosa é o fato de que ela tem fim, que a gente pode morrer. Se a gente não morresse, se a vida fosse interminável, ela não teria valor. Os jovens, que acreditam ainda ter um monte de anos pela frente, a arriscam desnecessariamente.

Ayrton Senna, que depois de amanhã faria 50 anos, é exemplo disso. Se não fosse corredor de F-1, provavelmente estaria vivo aqui entre nós ainda. Mas nós provavelmente nem saberíamos quem era, não teríamos, por ele, o reconhecimento que temos. E provavelmente não haveria o Instituto Ayrton Senna, e a Viviane Senna Lalli não seria a personalidade que se tornou.

Tudo, na vida, tem suas compensações. Fazemos trocas e permutas o tempo todo. Um pouco mais de excitação na juventude, em troca, quem sabe, de um pouco menos de vida… Um pouco mais de vida, em troca, quem sabe, de um pouco menos de excitação e glamour.

O mesmo sobrinho que me perguntou como é o Outono da vida colocou uma citação do atual Papa no FaceBook:

“Não sou um homem que está constantemente inventando e contando piadas. Mas acho que é importante olhar para o lado divertido da vida, aproveitar sua dimensão alegre, não levar tudo tão seriamente, não privilegiar o seu lado trágico. Eu diria que isso é indispensável para o meu ministério. Um escritor disse uma vez que os anjos podem vovar porque não se tomam muito a sério… Talvez pudéssemos também voar um pouquinho se não nos considerássemos assim tão importantes”. (Papa Bento XVI).

É isso. Belo texto.

O tempo foge. Por isso, aproveite a vida. Voe um pouco. Mas saiba que nem todo vôo aterriza tranqüilamente. Se não julgássemos a nossa vida tão importante e valiosa, voaríamos mais – a arriscaríamos mais.

Para vocês, Epitáfio, dos Titãs. A primeira música (da “nova geração”) que a Paloma me deu.

Titãs – Epitáfio

Devia ter amado mais, ter chorado mais
Ter visto o sol nascer
Devia ter arriscado mais e até errado mais
Ter feito o que eu queria fazer
Queria ter aceitado as pessoas como elas são
Cada um sabe a alegria e a dor que traz no coração
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar distraído
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar
Devia ter complicado menos, trabalhado menos
Ter visto o sol se pôr
Devia ter me importado menos com problemas pequenos
Ter morrido de amor
Queria ter aceitado a vida como ela é
A cada um cabe alegrias e a tristeza que vier
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar distraído
O acaso vai me proteger
Enquanto eu andar…
Devia ter complicado menos
Trabalhado menos

Tempus fugit. Ergo, carpe diem. 

Em São Paulo, 19 de Março de 2010

O Ano Novo

Magnífico insight de Carlos Drummond de Andrade que encontrei no FaceBook. Não sei citar a referência, isto é, onde é que Drummond escreveu isso. Mas que é genial, isto é…

"Quem teve a idéia de cortar o tempo em fatias, a que se deu o nome de ano, foi um indivíduo genial. Industrializou a esperança, fazendo-a funcionar no limite da exaustão. Doze meses dá para qualquer ser humano se cansar e entregar os pontos. Aí entra o milagre da renovação e tudo começa outra vez, com outro número e outra vontade de acreditar que daqui para diante vai ser diferente".

Mais uma “fatia do tempo” está chegando ao fim. Os projetos não concluídos neste ano ficam para o ano que vem. as esperanças se renovam… Este novo ano que chega vai ser melhor, neste ano vou conseguir fazer aquilo que não foi possível realizar no ano que finda… Quem sabe chega a sorte grande: milhões gordos na Sena de fim de ano…

Como o Natal, o Ano Novo é tempo de recomeçar, de passar as coisas a limpo, de sonhar novos sonhos ou, quem sabe, ressonhar os sonhos velhos, ainda não realizados.

Mas o período é também de contabilizar os sucessos e os insucessos, contar as bênçãos, fazer uma nota mental das bênçãos não vindas e das orações não atendidas… Mesmo num ano ruim há muita coisa por que ser grato.

Para mim foi um ano muito bom (“When I was 66, it was a very good year”…). No ano inteiro aconteceram coisas muito boas. Mas o fim do ano trouxe várias coisas boas pelas quais eu, em determinados momentos, nem ousava esperar mais. Estou muito feliz.

Mas espero que 2010 seja ainda melhor… 🙂

Em Ubatuba, 29 de Dezembro de 2009.

Isto É: Eles deram a virada

Ontem publiquei um post aqui sobre recomeços. O título foi “Natal e Ano Novo”.

Curiosamente, hoje fui comer um sanduíche na Padaria Ipanema, na Chácara Klabin, e vi, na Banca de Revistas ao lado, a Revista Isto É desta semana – cuja matéria de capa é exatamente recomeços, viradas…

A matéria complementa, com casos específicos e riquezas de detalhes, a importância dos recomeços, das viradas.

Transcrevo-a aqui para facilitar o acesso – embora o acesso seja livre no site da revista.

———-

http://www.istoe.com.br/reportagens/27870_ELES+DERAM+A+VIRADA?pathImagens=&path=&actualArea=internalPage

Isto É, Edição: 2092, 1.Dez

Eles deram a virada

Histórias inspiradoras de homens e mulheres que tiveram a coragem de mudar o curso de suas vidas, seja na esfera pessoal, seja na profissional. Como e quando dar essa guinada e qual o perfil de quem conseguiu

Carina Rabelo e Francisco Alves Filho

Mudar de vida, realizar um sonho, executar projetos engavetados há tempos, tudo isso parece mais próximo de se tornar real quando um novo ano se aproxima. Nessa época, muitos prometem reinventar o próprio cotidiano, seja no campo pessoal, seja no profissional. “O ano-novo é o arquétipo do recomeço, uma outra chance para a esperança”, diz o teólogo Leonardo Boff. O problema é que várias pessoas não avançam além da promessa. “Muitas vezes, racionalmente reconhecemos que mudar seria o melhor, mas emocionalmente podemos não estar prontos”, afirma a psicóloga carioca Aline Sardinha.

Esse descompasso, entretanto, não consegue barrar a obstinação daqueles que estão decididos a dar uma virada na própria história. Essas pessoas encaram os dissabores e perseguem a felicidade, a qualidade de vida, o ideal. De onde tirar essa coragem? Como vencer a acomodação? Quando se dá o “estalo”? Essas respostas podem representar a diferença entre a realização pessoal e a insatisfação duradoura. Não há receita pronta, mas especialistas em comportamento indicam que idade ou classe social não são determinantes. As circunstâncias é que têm um peso significativo nessa decisão.

Existem viradas para superar momentos difíceis, como a demissão, o divórcio ou a doença, e aquelas opcionais, em que, mesmo estando bem, a pessoa sente necessidade de mudar. Este segundo tipo é o ideal, como identifica o consultor de negócios César Souza, autor do livro “O Momento da Sua Virada” (Ediouro). “Assim, há tempo para traçar o próximo patamar da vida e mais chance de a mudança dar certo”, diz ele. Um dos mais importantes requisitos para o êxito nessa empreitada é o temperamento, já que mudar radicalmente exige uma boa dose de coragem. “Quem tem medo só pensa no que pode dar errado e precisa de alguém que o empurre.

O corajoso sempre vê o futuro melhor do que o presente”, explica a psicóloga Rebeca Fischer, instrutora da Sociedade Brasileira de Programação Neurolinguística. Não é que o medo seja eliminado, já que mesmo aqueles que ousam sentem um “friozinho na barriga” ao dar um passo à frente.

O pulo do gato é manter os demônios sob controle.

O teólogo Boff acredita que todos têm potencial para vencer a inércia e seguir novos rumos. “O ser humano sempre quer a felicidade e o caminho para isso não é fazer emendas, mas buscar um novo começo.” ISTOÉ colheu histórias de pessoas que deram a virada em suas vidas. Elas contam de onde tiraram inspiração para enfrentar os novos desafios e mostram que, nessa hora, um dos melhores truques é acreditar naquele lema que afirma: o melhor está por vir. Feliz 2010!

Outras pistas

 

Virada_boesel.jpg

chamada.jpg

A semente da virada do ex-piloto Raul Boesel, 52 anos, foi plantada ainda na adolescência, em Londres, num memorável show da banda Pink Floyd, na década de 80.

Mas ficou engavetada durante décadas, tempo em que ele construiu uma sólida carreira de piloto. Boesel começou a correr no kart aos 16 anos e ficou no automobilismo até os 48, mas sempre se interessou pela tecnologia na música. “Só nunca imaginei que ela poderia ser a minha profissão.” Desgastado no automobilismo, aos 45 anos, já pensava mais em música do que nos carros. “Foi quando decidi que era hora de mudar.” Aos 49, um ano após deixar a carreira de piloto, se empenhou com toda a energia para se tornar DJ. Contratou um professor e passou a treinar três vezes por semana, quatro horas por dia. Até sentir-se seguro para  primeira performance, acumulou duas mil horas. “No início, havia muito preconceito. As pessoas diziam que seria apenas um hobby, que eu fazia aquilo para me manter na mídia e que eu era muito velho para estrear como DJ.”

Desde 2003, ele frequenta todos os anos os festivais de Ibiza, a meca da música eletrônica. Neste ano, se apresentou pela primeira vez na cidade espanhola. E os novos desafios continuam. “Agora, quero me dedicar à produção musical.” Realizado, diz que não se arrepende da escolha. “O automobilismo ficou para trás. Assisto a todas as corridas e dou apoio aos meus sobrinhos que estão praticando, mas correr não me faz falta.” Boesel diz perceber algumas semelhanças entre o automobilismo e a música. Como o ritmo intenso de viagens, por exemplo. Mas, na lista das vantagens, o trabalho como DJ tem uma recompensa maior.
“Ao contrário das pistas de kart, nas de dança, o contato com o púbico é direto.”

Adeus, mesmice

 

virada01.jpg

O administrador de empresas carioca Luciano Monteiro de Miranda, 34 anos, tinha um ótimo emprego, uma boa condição financeira, um namoro prazeroso, uma filha de 15 anos. Uma vida de novela, tendo como pano de fundo a Cidade Maravilhosa. Mas não estava feliz. Para reverter a situação, fez as malas e se mudou há três semanas para Vancouver, no Canadá, deixando para trás uma bem-sucedida carreira na área de vendas da IBM. Com o visto de imigrante em mãos, ele pretende adotar um estilo de vida totalmente diferente. “Decidi sair do meu País porque senti que precisava olhar para dentro de mim e ir em busca de novas aventuras”, conta Miranda. “Não queria levar aquela vida para sempre”, revela. O administrador, no entanto, reconhece ter sido difícil deixar a filha de 15 anos, a namorada e os pais, que têm mais de 70 anos. “Sempre que penso no quão significativa é essa mudança, bate uma ponta de desespero.

Para evitar isso, procuro não pensar naquilo de que estou abrindo mão. Só assim, terei forças para seguir em frente”, diz. Mas arrependimento não faz parte do seu repertório de emoções. Afinal, ele planejou a mudança durante dois anos e meio. Em Vancouver, não tem pressa de arranjar um emprego. “Quero me estabilizar, achar um apartamento e concluir o curso de inglês”, planeja Miranda, que admite ter ouvido muitas críticas da família e de amigos. “Eles não entendem por que saí de lá, se eu tinha tudo. Mas o fato é que eu não aguentava mais o rame-rame da vida que levava no Rio de Janeiro”, admite. Enquanto aproveita os novos ares, Miranda procura fazer todas as atividades de lazer que não fazia no Brasil, principalmente as ligadas a esportes. “Quando nos sentimos corajosos, temos forças para continuar lutando.”

Ela perdeu 20 quilos

 

Virada-04A_IE-2092.jpg

Virada-04-IE.jpg

Desde pequena, a psicóloga mineira Renata Gonzaga, 31 anos, brigava com a balança. Seu biotipo,de gordinha não era problema na infância, mas tornou-se uma preocupação na adolescência. “Tinha mais dificuldades para conseguir namorados, era motivo de brincadeiras”, recorda. Ela, porém, nunca tomava uma atitude séria para perder peso. “Fazia dieta um tempo, mas o objetivo era sempre ficar em forma para a próxima festa”, diz. Logo voltava a comer descontroladamente. O estalo veio de repente, de frente ao guarda-roupa. “Quando notei que para sair eu tinha apenas uma peça do meu tamanho, vi que era o momento de buscar uma solução definitiva.” A decisão de procurar o grupo Vigilantes do Peso coincidiu com o fim do curso de psicologia.

Em um ano, ela emagreceu mais de 20 quilos graças à reeducação alimentar. “Sou outra pessoa”, diz ela, que há dois anos mantém-se nos 61 quilos. Típico caso de gordinha com baixa autoestima e sinais de depressão, Renata aprendeu a importância da perseverança. “Para emagrecer é preciso mudar nossa cabeça e os nossos hábitos”, prega ela, que agora tem um incentivador a mais para manter o peso: o noivo, com quem vai se casar em breve.

O médico que dá as cartas

 

Virada-06-IE.jpg

Aos 17 anos, o carioca Leonardo Bello, 33, decidiu que queria ser médico, pois “gostava de ajudar as pessoas”. Após seis anos de faculdade, quatro de residência em imunologia pediátrica e dois anos de especialização na Alemanha, começou a questionar a sua escolha. “Ficava até dois dias e meio sem dormir”, lembra. Num desses plantões, conheceu uma pessoa que foi decisiva para sua virada – um médico de 60 anos, muito talentoso, mas pouco reconhecido no meio e com patrimônio modesto. “O grande problema da medicina é que, se você não tem talento para os negócios, vai dar plantão a vida toda. Não queria me matar de trabalhar e não ir além.” Durante a especialização na Alemanha, Bello se distraia com o pôquer online.

De volta ao Brasil, teve a ideia de organizar um torneio entre amigos. O pequeno hobby se tornou um evento para 100 pessoas. Assustado com a magnitude da sua ideia despretensiosa, descobriu um novo traço da sua personalidade: o empreendedorismo.

“O pôquer me abriu várias oportunidades”, diz o médico, que, junto com dois sócios, criou a empresa Nutz, exclusiva para as competições de pôquer. O negócio cresceu, deu retorno financeiro e, em 2006, eles lançaram o torneio nacional. Há um ano e meio, o carioca trocou a medicina pelo jogo em definitivo. “Ganho dez vezes mais do que ganhava quando era médico”, diz Bello, que pretende utilizar parte dos ganhos para construir um centro de apoio às crianças portadoras de HIV. “Como médico, jamais teria dinheiro para concretizar este sonho.”

Largou o marido e abraçou o piano

 

Virada-07-ie-2092.jpg

Beth Ripoli, 57 anos, passou a infância atormentada pelo pai, que insistia para que ela estudasse piano. Obediente, fez aulas dos 6 aos 16 anos. Mas detestava, confessa. Aos 20, ela se casou e deixou Piracicaba (SP), para morar na capital. Livrou-se do instrumento para se tornar uma devotada dona-de-casa. Aos 30 anos, ficou doente – foi diagnosticada com artrite reumatoide. Procurou vários médicos, mas nenhum tratamento funcionava. “Eu não podia esticar a perna, levantar da cadeira e usar salto alto”, lembra. “Até que me aconselharam a praticar piano para exercitar a musculatura das mãos e dos braços.” Beth, então, entrou para a escola do Zimbo Trio. Após dois anos de aulas, foi convidada para tocar na noite. “Mas meu marido disse que não permitiria”, conta. Beth não teve dúvidas: pediu a separação. Sofreu perdas materiais e ficou impedida de ver o filho, então com 13 anos, por um ano. Em compensação, a dor da artrite sumiu. “E me diverti muito trabalhando nos bares nas turnês.” Aos 45 anos, gravou o primeiro CD, com composições próprias. Para completar a guinada, também encontrou um novo companheiro. Está casada há 21 anos com uma pessoa que respeita suas escolhas, gosta de frisar.

O chamado da saúde

 

Pic_Virada02.jpg

Algumas vezes, dar a virada é questão de saúde. Foi o caso do empresário paranaense Marcos Vilas Boas, 40 anos.

Em 2003, ele abriu uma empresa em São Paulo para ampliar seus negócios – uma rede de oito hotéis. “Trabalhava todos os dias, das 8h à 0h. Ao chegar em casa, não conseguia dormir e assistia à televisão durante a madrugada”, lembra Vilas Boas, que visitava a mulher e a filha em Curitiba apenas uma vez por mês. O sono só vinha induzido por remédios. As crises de enxaqueca eram frequentes e, pelo menos uma vez por mês, as dores insuportáveis o levavam ao hospital. Até que a rotina massacrante atingiu o limite das forças físicas. “Um dia, acordei e disse ‘chega!’”, afirma o executivo, que, para completar, fumava um maço de cigarros por dia. “Joguei o cigarro fora, procurei um médico e contratei um preparador físico.” Hoje, é um triatleta que nem lembra quando teve a última crise de enxaqueca. “Quanto mais a gente faz atividade física, mais tem disposição para trabalhar. Hoje, levo menos tempo para fazer as mesmas coisas. Tudo é possível com disciplina.” A televisão? Virou objeto de decoração em casa. “Assistir à tevê é a prova da falta do que fazer. Com este tempo, a gente faz esporte.”

Da farda ao consultório

 

Virada-10_IE-2092.jpg

Pic_Virada04.jpg

Como soldado do Exército, ele integrava a escolta do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Nas Forças Armadas desde os 19 anos, fazia parte de um pelotão de investigação criminal que prestava serviços às autoridades que vinham a São Paulo. Tudo caminhava para que o paulista Cleber Soares se consolidasse na carreira militar, até que conheceu a futura esposa, que o influenciou a cursar odontologia para trabalhar com ela numa clínica própria. Como os dois projetos eram incompatíveis, ele largou o Exército aos 27 anos para começar o novo curso. “As Forças Armadas ajudam muito na formação moral do ser humano, mas a rotina cansa”, diz Soares, atualmente com 33 anos. Ele também ficava preocupado com o futuro. “Na vida militar, além do expediente normal de trabalho, que inclui os finais de semana, existem os serviços extras. Queria ter mais tempo, construir uma família e ter mais dinheiro no futuro”, explica. Depois de formado dentista, Soares decidiu dar outra guinada e preferiu se dedicar à clínica que montou com a mulher. “Há poucos profissionais na área que têm perfil empreendedor”, afirma. O casal montou a Sorridents, uma rede de clínicas odontológicas. “Não havia nenhuma certeza de que a mudança que fiz fosse dar certo, mas arrisquei e funcionou”, diz o próspero empresário.

A mulher de diplomata que virou mãe de santo

 

Virada-11_IE-2092.jpg

A atribulada vida de mulher de diplomata trouxe Gisele Binon ao Brasil em 1959. Além dos salões acarpetados, a francesa doutora em letras pela Sorbonne foi visitar um terreiro de candomblé na Baixada Fluminense. Após oito anos viajando pela África, queria ver os rituais brasileiros de inspiração afro. A visita redefiniu a vida de Gisele. Ao som dos atabaques e diante da dança ancestral, ela entrou em transe. “Senti um frio na espinha e fui ao chão”, recorda. Intrigada, por muito tempo viveu um misto de temor e atração. Ao fim, rendeu-se e iniciou-se no candomblé. Nos anos seguintes, voltou para a França, separou-se do marido, deixou seus pais cuidando dos dois filhos e decidiu retornar ao Brasil. Em 1972, abriu um terreiro em Duque de Caxias (RJ), onde vive até hoje, aos 86 anos. “Decidi ser dona da minha vida”, diz. “Não queria mais a rotina triste e sem graça da França.” Não foi uma decisão fácil. Trocar Paris pelo Rio, a carreira de doutora em letras pela de mãe de santo, a rotina sofisticada de embaixadas pelo subúrbio carioca, nada disso foi feito sem medo. “Não há um caminho único. É preciso levar em conta as circunstâncias de cada um”, afirma ela. Com a separação, resolveu fazer o que seu coração mandava. “Não é fácil uma virada assim, principalmente para as mulheres, que ainda se dedicam ao lar, aos filhos e ao marido.”

Duas guinadas para dar certo

 

Virada-12-IE.jpg

Virada-13-IE.jpg

Cansado de sua função de metalúrgico na empresa Cosigua, Rodolfo Lima resolveu realizar o sonho de abrir o próprio negócio em 1989. Pediu demissão, juntou as economias e comprou um bar. “Foi a pior coisa. Desenvolvi alcoolismo, acabei com o negócio e com meu casamento”, recorda. O que poderia ter sido a grande virada terminou em decepção. Certa vez, alcoolizado, torceu o joelho e procurou ajuda na acupuntura. Deu tão certo – curou-se até do vício – que ele decidiu fazer um curso de terapias corporais, que engloba acupuntura, do-in e outras técnicas. Gostou, fez empréstimos bancários e deu uma nova chance ao seu lado empreendedor. “Primeiro, comecei a atender pacientes. Depois, a formar terapeutas”, conta. Hoje, é dono do Centro de Estudos do Corpo e Terapias Holísticas, que forma 80 alunos por ano, tem convênio com 13 empresas e dispõe de uma agenda de 2.500 clientes. Dessa trajetória, ele tirou uma lição importante: “Antes de fazer grandes mudanças, é preciso conhecer o novo terreno”, diz. Na primeira tentativa, a ansiedade de querer ser dono do próprio nariz o fez passar por cima de precauções básicas. Da segunda vez, estudou bastante para ter certeza de que era seu projeto de vida.

“Se tivesse desistido no primeiro fracasso, não teria chegado até aqui.”

Herói, que nada

 

Virada-15-IE.jpg

Virada-14-IE.jpg

A vida de Marcelo Vieira parecia um filme de aventura. Aos 26 anos, o paulista, oficial do Exército desde os 19, se tornou comandante e instrutor do pelotão que integrou as forças de paz da Organização das Nações Unidas (ONU) no Haiti. Suas funções iam desde o treinamento teórico até as instruções dos armamentos militares e explosivos. Naquela mesma época, ele concluiu a faculdade de design. Bateu a indecisão: o jovem não sabia qual rumo dar à sua vida. Foi então que Vieira decidiu utilizar como critério aquilo que realmente o fazia feliz – a possibilidade de desenvolver atividades diversificadas. No Exército, isso não era possível, segundo ele. “Aquela rotina seria a minha vida para sempre”, afirma. O ex-militar, hoje com 28 anos, conta ter ouvido muitas críticas. “As pessoas achavam que eu não deveria abandonar a estabilidade do Exército por um mercado incerto, que oscila com as crises.” Mas, como todas as pessoas que têm coragem para dar a virada, ele não deu ouvidos. “Não tenho nenhum arrependimento em relação à minha escolha. Claro que sinto saudades, mas o que eu queria mesmo era inovar.” Vieira percebeu que as apresentações em power point para grandes empresas eram um nicho de mercado na época.

“O conhecimento da formulação de estratégias militares me ajudou a desenvolver os projetos na área de tecnologia”, diz ele, dono da empresa Meu Estúdio, especializada em apresentações corporativas.

Tudo por um amor suíço

 

Pic_Virada03.jpg

Há dois anos, a catarinense Denise Prado, 46 anos, deixou um casamento de 17 anos e três filhos – uma menina de 17, outra de 15 e um menino de 10. “Estávamos no limite, já dormíamos em quartos separados”, conta. Denise era dona de uma escola de dança de salão em Florianópolis e, em uma das aulas, conheceu Bernardo, um suíço. Os dois engataram um romance, até que ele teve que voltar para casa. Mas o novo casal continuou se comunicando freneticamente pela internet. Ao perceber que Denise estava envolvida com outro homem, o marido sentenciou: “Vá embora com ele, eu cuido das crianças.” A catarinense não sentiu culpa, e sim alívio, mas a decisão não ocorreu sem conflitos. “Fui muito julgada.

A minha sogra ficou indignada. O meu irmão não me perdoa até hoje. O que me deu forças foi a certeza de que, se eu não fosse para a Suíça, me arrependeria para o resto da vida”, afirma.

A filha do meio foi a que mais sofreu. Ela chorava muito, pedia para que eu voltasse. Retornei para ficar um mês com ela.”, lembra. Denise conta que planeja levar os filhos para estudar na Suíça. Quanto às críticas, diz ter a consciência tranquila.

“Se meus filhos tiverem algum problema com isso, que procurem um psicólogo”, sentencia, ao lado de seu suíço.

Conheça outras histórias inspiradoras

Francisco Alves Filho

O empresário que virou mochileiro

Depois de passar décadas dirigindo empresas, ele aproveitou um momento de crise para largar tudo. E hoje passa os dias rodando o mundo e curtindo a natureza.

Mesmo quando passava boa parte de seus dias em intermináveis reuniões de negócios para administrar suas duas empresas, a Companhia Mercantil Itaipava e a Rede Bandeirantes de Postos, além de outros pequenos negócios, o carioca Richardson Valle não deixava de pensar nas questões espirituais e ambientais. Nos raros momentos de folga, viajou para a China, Índia e outros cantos do planeta, onde pôde captar o que chama de energias positivas. “Sempre me interessei pelos mistérios da alma, mas não tinha tempo para me dedicar a eles como gostaria”, diz ele.

A oportunidade surgiu em 2006, quando suas empresas entraram numa grave crise que culminou no fechamento de todo o grupo. Valle enxergou, no meio dos dissabores, uma oportunidade positiva: poderia finalmente mergulhar nos estudos dos temas que mais o interessavam. Ele conta que resistiu às boas propostas para trabalhar como executivo de outras empresas e ter direito a benesses que dão segurança e conforto. “Fui empresário por quase cinco décadas. Percebi que havia chegado a hora de fazer aquilo de que realmente gostava”, diz Valle, hoje com 65 anos.

Depois de certificar-se que os dois filhos do ex-casamento estavam amparados, tornou-se um mochileiro internacional e há três anos viaja o planeta aprimorando o espírito e a relação com o meio ambiente. “Aprendi que os dois assuntos estão intimamente ligados”, diz.

 

DD-6817-1.jpg

Há poucos dias, o ex-empresário chegou de uma viagem pelos Andes peruanos e já está novamente na estrada, dessa vez rumo à Floresta Amazônica. “Não tenho mais um endereço fixo, cada dia posso estar num lugar diferente”, afirma. “Meu carro é o metrô, o ônibus ou meu tênis”. O momento crucial de sua mudança aconteceu no intervalo entre a derrocada de seus negócios e os convites para voltar a trabalhar nas empresas de amigos. Segundo ele, até hoje, as propostas são freqüentes. “Alguns amigos não entendem que estou melhor assim”, diverte-se ele. “Acho que todos devem correr atrás de sua felicidade e é isso que estou fazendo.”

Do Sena para o Leblon

A história do jovem economista francês que largou o trabalho em Paris para ter uma vida mais tranquila perto do mar, no Rio.

Na praia do Leblon, no Rio de Janeiro, ele é conhecido como Mateus. Quem o vê de short e sem camisa batendo papo com os amigos na areia pode imaginar que é um típico carioca. Seu verdadeiro nome, no entanto, é Matthieu Stanic, um jovem de 26 anos nascido em Paris, que há um ano trabalhava de terno e gravata como operador do mercado financeiro numa importante seguradora francesa. “Trabalhei 3 anos lá com um objetivo em mente: juntar dinheiro para viajar ao Brasil e viver perto do mar”, conta ele, que é formado em Economia. Conseguiu o bastante para viajar, mas para se manter aqui tem sido criativo e diversificado. Dá aulas de francês na praia, onde junta o útil ao agradável, já trabalhou como gandula nas redes de vôlei e como ajudante de pescadores. “Sou inquieto e tenho a necessidade de mudar constantemente”, explica. “A única coisa que não muda é meu fascínio pelo mar”.  E pelo Rio de Janeiro.

Por conta dessa inquietude, Matthieu já planeja novas mudanças. “Pode ser que volte a trabalhar na antiga função para juntar dinheiro e comprar um veleiro”, diz o jovem, sem precisar datas. O certo é que ele não hesita um minuto quando acha necessário renovar sua rotina. Mas prefere não dar conselhos. “Eu sou solteiro, sem dependentes. É difícil dizer a alguém que tem família e outras responsabilidades que mude tudo na vida”, pondera. Mas quando fala de si mesmo, diz que em momento algum conseguirá parar e viver um cotidiano que não o satisfaça. E admite que, algumas vezes, isso causa contratempos. “Não é fácil dizer a uma namorada que seu coração está pedindo uma mudança, que precisa viajar, sair por aí. Isso já aconteceu comigo”, conta. “Mas é preciso ser sincero consigo mesmo e com as pessoas que se ama”. Difícil discordar dos argumentos desse franco-carioca.

Do tédio a uma nova experiência

Paulo deixou o trabalho num cartório para fazer um curso de garçom na Espanha. Deu tudo errado. Mas ele está feliz.

Durante 10 anos, o paulista Paulo Rodolfo Simeão trabalhou num cartório, fazendo serviços burocráticos. Desde 2007, mora na Espanha e se diz muito mais feliz do que era quando vivia no Brasil. Por aqui, Paulo teve problemas com o chefe e conta que não suportava mais a sobrecarga de trabalho e a remuneração incompatível com o estresse que enfrentava. No entanto, a decisão pela mudança veio acompanhada de uma grande decepção. Ele fez um teste em São Paulo para trabalhar como garçom na Espanha. Foi selecionado, mas teria de pagar R$ 4 mil para assumir o cargo na cidade de Palma de Maiorca. “Quando cheguei lá, não tinha empresa, não havia nada. Era uma fraude”. Desiludido, ficou desempregado durante um mês e meio, até que soube de uma empresa que contratava pessoas para serviços domiciliares.

“Fui contratado para cuidar de um casal de idosos”, conta. “Ganho menos do que no Brasil, mas sou mais feliz. Não preciso lidar com documentos, burocracia, conviver com juízes e auditores e ficar preso no escritório. Gosto de conviver com o ser humano e lidar com questões emocionais”. Com o casal de idosos – ele tem 75 anos, e ela 72 – Paulo aprendeu a importância de aproveitar a vida, cuidar da alimentação e fazer atividades físicas para viver bem por muitos anos. “Um dia, pretendo voltar ao Brasil e trabalhar com saúde ou estudar medicina.”

———-

Transcrito em São Paulo, 14 de Dezembro de 2009

Gratidão

A mensagem abaixo me foi enviada pela minha irmã mais nova, Eliane. Achei-a, mais do que linda, muito profunda. Transcrevo-a aqui. Sei que ela não vai objetar.

———-

Gratidão

Agradeço a DEUS porque eu não escolhi, mas fui escolhida.

Agradeço pela vida do João. O sentimento que nos une há 32 anos, não cabe em palavras!

Agradeço pela vida e pela saúde perfeita dos meus filhos Vitor e Diogo, herança de Deus em minha vida.

Agradeço pelos meus pais, pelo amor, cuidado, ensinamentos, sacrifícios, por tudo que eles representaram em minha vida, principalmente pela herança que me deixaram: a Fé e o Amor!

Agradeço pela vida dos meus irmãos: Eduardo, Flavio e Priscila.

Agradeço pela vida de todos meus  queridos que já voltaram para o nosso verdadeiro lar e venceram a morte.

Agradeço por ter perdoado a todos que me machucaram, e peço perdão a quem eu possa ter machucado.

Agradeço pelos caminhos que percorri, as necessidades que passei,anos de dificuldades e muito trabalho, que tanto me fizeram chorar, mas consegui superar com a ajuda de algumas poucas pessoas, que agradeço eternamente!

Agradeço porque tenho aprendido a respeitar os sagrados sentimentos das outras pessoas, apesar de muitas vezes não ter sido respeitada.

Agradeço a tantas pessoas que esperei amor e carinho, e não recebi, mas aprendi que não se pode dar aquilo que não se tem. Mas também agradeço por cada pessoa que passou na minha vida, e outras que ainda estão presentes, e me doaram amor.

Agradeço por todas as situações que eu não tive controle e sempre  considerei como perdas, na realidade me fizeram mais forte, e me ajudaram a resgatar  outros valores, e assim  recebi muito mais do que me foi tirado.

Agradeço por tudo que vivi e aprendi até agora. Algumas coisas bem difíceis, mas que me ensinaram o verdadeiro sentido da liberdade.

Hoje me sinto livre!

Livre das ilusões, dores, lágrimas, mentiras, tristeza, erros, culpas, hoje enfim estou liberta!

Agradeço por essa liberdade, e por ter me tornado quem eu sou.

Agradeço por querer me tornar uma pessoa cada vez melhor, para quando eu for embora, possa ir em paz e deixar um caminho de luz!

Agradeço por poder agradecer!

———-

Ane, obrigado pela mensagem.

Em São Paulo, 14 de Dezembro de 2009

The need to rest – really rest!

Message I sent to a friend of mine, who works like crazy, and now is feeling unwell, with pain all over… Lack of real rest is charging its price.

“I am sorry to say what I am going to say…

To go to the gym after (or during) work is not to rest…

To work for the community on weekends is not to rest…

To go to Disneyland on your vacation is not to rest…

Even machines need time down. Really down, inactive (not doing something else).

Much more we, complicated, sophisticated and delicate organisms that we are…

Believe me. I know.

Buddhists also know… “

São Paulo, on December 14th, 2009

Natal e Ano Novo

É apropriado que o Natal esteja próximo do Ano Novo. Uma semana apenas separa as duas ocasiões no calendário cristão ocidental.

A razão porque é apropriado que as duas festas estejam quase juntas é que ambas têm que ver com nascimento: o nascimento de Jesus, no dia 25 de Dezembro, o nascimento de um novo ano, no dia 1º de Janeiro. Nascimento é começo, é início, é princípio…

Gosto das duas festas assim juntinhas, porque na ocasião celebramos nossos recomeços. Não é por outra razão que as pessoas nessa época fazem resoluções que decidem cumprir a partir do ano novo. Ano novo, vida nova.

Nossa vida é uma sucessão de recomeços. A primeira escola, uma nova escola, o começo da vida pós-escolar. O primeiro emprego, um novo emprego, o começo da vida na aposentadoria. O primeiro amor. Um novo amor. O primeiro casamento. Um novo casamento. O primeiro filho. Um novo filho.

Recomeços são sinais de que somos seres em construção, de que não estamos acabados, de que ainda não chegamos ao fim, de que acreditamos que temos ainda vida para viver… E de que somos arquitetos e construtores de nós mesmos. E dessa tarefa devemos contas em primeiro lugar a nós mesmos. Talvez apenas a nós mesmos.

E a morte: o fim de tudo ou ainda outro recomeço?

A motivação maior por trás das crenças na imortalidade da alma, na transmigração de almas (reincarnação), na ressurreição do corpo está em nossa inconformidade ou pelo menos relutância em aceitar que a morte é o fim.

Neste Natal e Ano Novo desejo a você um bom recomeço. Bons recomeços, quem sabe, assim no plural… E que os recomeços façam você feliz – ou ainda mais feliz.

Em São Paulo, 14 de Dezembro de 2009

Bênçãos

Apesar de minha religiosidade deixar muito a desejar (para usar um eufemismo), gosto das bênçãos que o Judaísmo e o Cristianismo contribuíram para a nossa cultura.

Esta é a chamada “Bênção Aarônica”, encontrada no Velho Testamento (Números 6). Sempre a achei muito bonita:

“O Senhor te abençoe e te guarde.
O Senhor faça resplandecer o rosto sobre ti e tenha misericórdia de ti.
O Senhor sobre ti levante o rosto e te dê a paz”

(Números 6. Texto original em Hebraico:

יְבָרֶכְךָ יְהוָה, וְיִשְׁמְרֶךָ – yevarechecha Adonai veyishmerecha
יָאֵר יְהוָה פָּנָיו אֵלֶיךָ, וִיחֻנֶּךָּ – ya’er Adonai panav eleicha vichunecha
יִשָּׂא יְהוָה פָּנָיו אֵלֶיךָ, וְיָשֵׂם לְךָ שָׁלוֹם – yissa Adonai panav eleicha veyasem lecha shalom)

[Texto hebraico retirado da Wikipedia: http://pt.wikipedia.org/wiki/Benção_sacerdotal]

Esta é uma bênção cristã antiga, do século IV, também muito bonita, que encontrei no site “Povo Metodista” (e transcrevo aqui com pequenas modificações de forma):

“Que o Senhor esteja ao teu lado, como teu amigo e companheiro de jornada;
que o Senhor esteja sobre ti, velando por ti e te abençoando;
que o Senhor esteja abaixo de ti, calçando os teus pés e firmando os teus passos;
que o Senhor esteja à tua frente, como a luz que ilumina a tua caminhada;
que o Senhor esteja às tuas costas, guardando-te completamente de pessoas maldosas e desleais;
que o Senhor esteja dentro de ti, dando-te força, coragem, fé e vontade de viver;
e que o Senhor esteja ao teu redor, envolvendo-te completamente com o seu amor.”

———-

Em Comentário, Sueli Cavalcanti Jardim me enviou esta bênção, irlandesa, que tomo a liberdade de acrescentar aqui, agradecendo a contribuição:

"Que a estrada se erga ao encontro do teu caminho;
Que o vento esteja sempre às tuas costas;
Que o sol brilhe quente sobre tua face;
Que a chuva caia suave sobre teus campos;
E, até que nos encontremos de novo,
Que Deus te guarde na palma de sua mão."

[Se outros leitores tiverem conhecimento de outras bênçãos, e quiserem compartilhá-las, ficarei grato.]

Em São Paulo, 13 de Novembro de 2009