A greve dos que sustentam o mundo nas costas

Transcrevo abaixo artigo meu publicado na Folha de S. Paulo de hoje, na seção Cifras & Letras. 

———-

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mercado/me0910201005.htm 

Cifras & Letras

CRÍTICA – LIBERALISMO

Ayn Rand ataca socialismo mostrando greve de patrões

Livro formou economistas como Alan Greenspan, ex-presidente do Fed

EDUARDO CHAVES

Especial para a Folha

A Bíblia do pensamento liberal na segunda metade do século não é um livro de economia ou de filosofia política: é um romance.

“Atlas Shrugged”, a clássica defesa da liberdade, do individualismo e do capitalismo escrita por Ayn Rand (1905-81), romancista e filósofa russo-americana, acaba de ganhar nova edição em português, com novo título: “A Revolta de Atlas”.

A edição anterior, publicada em 1987, e há muito esgotada, tinha o título de “Quem é John Galt?”. A tradução é a mesma, mas foi editada e revisada pela editora Sextante.

Com 1.232 páginas na presente edição, o livro tem um enredo extremamente complexo e bem elaborado, que não é possível resumir aqui.

No entanto, uma descrição, ainda que breve, do tema escolhido por Rand dá ideia da dimensão da obra.

Originalmente publicada em 1957, a história se passa nos Estados Unidos, numa época futura em que o país, seguindo o exemplo de países europeus e latino-americanos, caminha para o socialismo e resolve regular e assim controlar sua economia.

GREVE DOS CHEFES

O livro descreve o que acontece quando aqueles que (como Atlas) sustentam o mundo nas costas resolvem fazer greve, sacudindo o mundo dos ombros e deixando que literalmente se dane.

“Vamos ver o que acontece ao mundo quando quem faz greve contra quem” é frase (retirada do livro) que resume o tema da obra.

Entrando em greve, empresários americanos começam a desaparecer, abandonando suas empresas nas mãos de reguladores e controladores estatais. Grandes filósofos, cientistas e artistas também desaparecem, abandonando seus empreendimentos.

O lado otimista da história é que o Estado pode confiscar empresas e outros empreendimentos, mas não consegue obrigar empresários e outros empreendedores a lhe arrendar suas mentes, sua criatividade, sua competência, seu trabalho.

O Estado, portanto, que fique com os empreendimentos, decidem seus proprietários na história. Mas eles não colocam mais suas mentes a serviço da sustentação de um mundo onde esse tipo de confisco pode acontecer.

(Na realidade, o que deixam para o Estado espoliador não passa da carcaça de empresas e empreendimentos cuja alma eles levaram consigo.)

CAOS

A história narra nos mínimos detalhes o caos que resulta dessa inusitada greve em que aqueles que normalmente são vítimas das greves, os empreendedores, retiram do mercado sua mente e seu trabalho, e, no processo, deixam o mundo sem bens, sem serviços, sem empregos.

Quando Atlas faz greve, o mundo literalmente desmorona (mais ou menos como aconteceu com o mundo comunista em 1989).

Ao final da história, quando as luzes do velho mundo se apagam, simbolizando a derrocada que lhe sobrevém quando Atlas deixa de sustentá-lo, a porta está aberta para a construção de um mundo novo: a greve termina e Atlas está pronto para reassumir seu lugar.

——————————————————————————–

EDUARDO CHAVES foi professor de filosofia da Universidade Estadual de Campinas e, depois de aposentado, leciona filosofia da educação no Centro Universitário Salesiano de São Paulo.|

A REVOLTA DE ATLAS
AUTORA Ayn Rand
TRADUÇÃO Paulo Henriques Britto
EDITORA Sextante
QUANTO R$ 69,90 (1.232 págs.)

———-

Em São Paulo, 9 de Outubro de 2010

Publicidade

Socialismo na escola

Já havia visto isso antes, mas recebi uma cópia hoje de um amigo, e resolvi compartilhar. A leitura é sempre instrutiva.

———-

SIMPLES E MUITO BEM EXPLICADO…

Um professor de economia na universidade Texas Tech disse que nunca reprovou um só aluno antes, mas tinha, uma vez, reprovado uma classe inteira.

Esta classe em particular tinha insistido que o socialismo realmente funcionava: ninguém seria pobre e ninguém seria rico, tudo seria igualitário e “justo”.

O professor então disse:

– Ok, vamos fazer um experimento socialista nesta classe.. Ao invés de dinheiro, usaremos suas notas nas provas.

Todas as notas seriam concedidas com base na média da classe, e, portanto seriam “justas”.

Com isso ele quis dizer que todos receberiam as mesmas notas, o que significou que ninguém seria reprovado. Isso também quis dizer, claro, que ninguém receberia um "A"…

Depois que a média das primeiras provas foi tirada, todos receberam "B". Quem estudou com dedicação ficou indignado, mas os alunos que não se esforçaram ficaram muito felizes com o resultado.

Quando a segunda prova foi aplicada, os preguiçosos estudaram ainda menos – eles esperavam tirar notas boas de qualquer forma. Aqueles que tinham estudado bastante no início resolveram que eles também se aproveitariam do trem da alegria das notas. Portanto, agindo contra suas tendências, eles copiaram os hábitos dos preguiçosos.. Como um resultado, a segunda média das provas foi "D". Ninguém gostou.

Depois da terceira prova, a média geral foi um "F". As notas não voltaram a patamares mais altos, mas as desavenças entre os alunos, buscas por culpados e palavrões passaram a fazer parte da atmosfera das aulas daquela classe. A busca por “justiça” dos alunos tinha sido a principal causa das reclamações, inimizades e senso de injustiça que passaram a fazer parte daquela turma. No final das contas, ninguém queria mais estudar para beneficiar o resto da sala.

Portanto, todos os alunos repetiram o ano… Para total surpresa!!!

O professor explicou que o experimento socialista tinha falhado porque foi baseado no menor esforço possível da parte de seus participantes. Preguiça e mágoas foi seu resultado. Sempre haveria fracasso na situação a partir da qual o experimento tinha começado.

"Quando a recompensa é grande", ele disse, "o esforço pelo sucesso é grande, pelo menos para alguns de nós. Mas quando o governo elimina todas as recompensas ao tirar coisas dos outros sem seu consentimento para dar a outros que não batalharam por elas, então o fracasso é inevitável."

"É impossível levar o pobre à prosperidade através de legislações que punem os ricos pela prosperidade. Para cada pessoa que recebe sem trabalhar, outra pessoa deve trabalhar sem receber. O governo não pode dar para alguém aquilo que não tira de outro alguém. Quando metade da população entende a idéia de que não precisa trabalhar, pois a outra metade da população irá sustentá-la, e quando esta outra metade entende que não vale mais a pena trabalhar para sustentar a primeira metade, então chegamos ao começo do fim de uma nação.

"É impossível multiplicar riqueza dividindo-a e redistribuindo-a."

———-

Em São Caetano do Sul, 23 de Setembro de 2010

A proposta de limitar a propriedade

Descobri no Facebook um link para uma matéria (transcrita a seguir) que defende a fixação de um limite para a propriedade da terra no Brasil. Vale a pena ler. Parece que vai haver um Plebiscito Popular sobre a questão, de 1 a 7 de Setembro próximo. Acho estranho que não tenha ouvido / lido nada sobre isso na mídia não alternativa.

Mas o importante é o seguinte…

Sabemos, hoje, que competências e conhecimentos são fontes mais importantes de riqueza (”meios de produção”) do que a terra.

Quando os proponentes do tal plebiscito se derem conta disso, será que irão, além de defender a limitação da propriedade da terra, propor que também se limite a propriedade de competências e conhecimentos?

Nesse caso, irão propor que ninguém mais possa avançar além de um certo nível de competência e conhecimento numa determinada área até que todo mundo tenha chegado ao mesmo nível de competência e conhecimento anterior?

E se houver gente que não consegue chegar a não ser até determinado nível de competência e conhecimento, então esse nível se torna o limite máximo de desenvolvimento para todo mundo?

É isso que é justiça?

Se eu impeço alguém de avançar além de um certo nível de competência e conhecimento porque o resto das pessoas não consegue acompanhá-lo, isso é justiça?

Para quem?

Virando a questão: É justo que todos se beneficiem do gênio de uma pessoa que descobre uma vacina, por exemplo? Até os incompetentes e ignorantes?

———-

http://www.limitedaterra.org.br/imprimeNoticia.php?id=172

Campanha Nacional pelo Limite da Propriedade da Terra: Em Defesa da Reforma Agrária e da Soberania Territorial e Alimentar

Você concorda que as grandes propriedades de terra no Brasil devem ter um limite máximo de tamanho?

Sociedade brasileira terá a chance de acabar com o latifúndio no Brasil durante o Plebiscito Popular pelo Limite da Terra, que ocorrerá entre os dias 01 e 07 de setembro.

por Assessoria de Comunicação FNRA

Falta menos de um mês para o início do Plebiscito Popular pelo Limite da Propriedade da Terra no Brasil. Entre os dias 01 e 07 de setembro, toda a sociedade brasileira terá a oportunidade de dizer se é a favor ou contra a concentração de terras no país, ou seja, se concorda ou não com o latifúndio.

Durante os dias 15 e 17 de julho, cerca de 100 representantes de entidades, organizações, movimentos e pastorais sociais do campo e da cidade de todos os estados da federação, estiveram reunidos em Brasília para a II Plenária Nacional de Organização do Plebiscito Popular pelo Limite da Propriedade da Terra.

No encontro foram aprofundados estudos sobre a questão fundiária do país, em que os participantes expuseram a realidade de cada região brasileira. As atividades contaram com a assessoria do geógrafo e professor da Universidade de São Paulo (USP), Ariovaldo Umbelino. Além das análises, foram debatidas e planejadas ações de divulgação, organização e articulação da semana da coleta dos votos.

Os estados já estão organizados em comitês compostos por diferentes entidades e organizações. A partir dos comitês estaduais, estão sendo formados os comitês regionais, onde municípios das diferentes regiões também estão sendo inseridos no processo.

Dentre os encaminhamentos da plenária, foi definido o Dia Nacional de Mobilização pelo Limite da Propriedade da Terra, que será realizado no dia 12 de agosto, em memória a mártir Margarida Alves, camponesa assassinada em 1983. Neste dia os articuladores do Plebiscito Popular farão um grande mutirão de formação da sociedade brasileira que já está sendo conscientizada sobre a realidade agrária do país.

A população brasileira também é convidada a participar de um abaixo-assinado que já está sendo circulando em todo país e que continuará após o Plebiscito. O objetivo desta coleta de assinaturas é entrar com um Projeto de Emenda Constitucional (PEC) no Congresso Nacional para seja inserido um novo inciso no artigo 186 da Constituição Federal que se refere ao cumprimento da função social da propriedade rural.

Além das 54 entidades que compõem o Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo, também promovem o Plebiscito Popular pelo Limite da Propriedade da Terra, a Assembléia Popular (AP) e o Grito dos Excluídos. O ato ainda conta com o apoio oficial da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB) e do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic).

Pelo direito à terra e à soberania alimentar: Vamos às urnas mostrar nosso poder popular!

Vamos à luta

A realização e o sucesso do plebiscito dependem única e exclusivamente da participação e do empenho de cada um, de cada entidade, organização e pastoral, uma vez que não existe nenhum apoio público e da mídia. Representa a força e a determinação de quem acredita em que algo pode ser feito para corrigir esta absurda concentração de terras que acaba por excluir milhões de famílias de terem seus direitos protegidos. Portanto,

Fale, comente e divulgue, também pela internet e redes sociais (orkut, twitter), o plebiscito para seus amigos, sua família e colegas de trabalho.

Integre-se aos comitês locais ou estaduais que vão organizar o Plebiscito.

Na Semana da Pátria, junto com o Grito dos Excluídos:

Intensifique a divulgação;

Ajude a organizar os locais de votação;

Participe de alguma mesa de votação;

VOTE;

Assine o abaixo-assinado que será levado ao Congresso Nacional para que seja votada uma emenda constitucional que determine um limite ao tamanho das propriedades.

Conheça as perguntas que estarão na cédula de votação durante o Plebiscito Popular pelo Limite da Propriedade da Terra

1 – Você concorda que as grandes propriedades de terra no Brasil devem ter um limite máximo de tamanho?

2 – Você concorda que o limite das grandes propriedades de terra no Brasil possibilita aumentar a produção de alimentos saudáveis e melhorar as condições de vida no campo e na cidade?

2006 – 2010.

Fórum Nacional de Reforma Agr
ria e Justiça no Campo. Reprodução permitida mediante citação da fonte.
http://www.limitedaterra.org.br

———-

Em Salto, 14 de Agosto de 2010

O “bem público” e a “política pública”

Começo o mês de Agosto no seu segundo dia – e com um texto que não é meu. Mas o texto é extremamente oportuno. Em função do “bem público” elaboram-se “políticas públicas”. Centenas, milhares. Se a intenção não é restringir a liberdade, o resultado é esse.

Não gosto disso. Daqui a pouco vão estar nos obrigando a usar sensores para descobrir, e, depois tentar direcionar, o que pensamos. Sensores como censores…

O artigo de Luiz Felipe Pondé soa meio raivosinho. Mas ele tem razão para estar raivoso.

Recomendo a leitura.

———-

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq0208201018.htm

Folha de S. Paulo
2 de Agosto de 2010

LUIZ FELIPE PONDÉ

A gula republicana


No século 20, o novo totalitarismo está associado à inflação da ideia de "bem público"


ELA PROVAVELMENTE estudou serviço social ou direito. Ele, psicologia ou pedagogia ou mesmo ciências sociais. Ambos têm certeza de que devem "melhorar o mundo" através da criação de leis ou políticas públicas. Querem criar o cidadão ideal. O que é isso? Sei lá, alguém que vá ao banheiro com consciência social?

Conhece alguém assim? Eles estão em toda parte, como uma praga querendo domar a vida a qualquer custo. E vão mandar em você logo.

Não se trata de uma questão apenas para alguém que tem simpatias por formas de vida menos controlada, como eu. Alguém que fuma charutos cubanos e acha que terapia de shopping faz bem mesmo (quem diz o contrário é mentiroso ou não tem dinheiro). Eu sei que o efeito dessas terapias passa rápido, mas, afinal, o que passa rápido mesmo é a vida.

O controle legal da vida, grosso modo, separa dois modos de ver a política desde o século 18. Um primeiro modo, "mais" britânico, tende a ser mais cauteloso em relação às formas políticas e legais de controle da vida moral (hábitos e costumes). Outro, mais descendente da revolução francesa, tende a babar de tesão só em pensar no controle dos hábitos e dos costumes, devastando a diversidade moral do mundo, como na proibição do véu islâmico na França.

No Brasil, temos um déficit sério em nossa formação. Quase todo mundo só conhece os franceses utópicos ou os alemães hegelianos (todos jacobinos de espírito), o que empobrece o debate público. Essa pobreza não se limita ao senso comum, mas, desgraçadamente, atinge a própria academia que repete cegamente a liturgia da gula republicana: controlemos a vida em nome de uma vida perfeita.

Mas o que é a gula republicana? A democracia republicana tende a devorar o espaço moral. Ela o faz porque vê o espaço moral como matéria da "coisa pública" e, por isso, assume os hábitos e costumes das pessoas como devendo ser, por natureza, objeto sob seu controle. É marca da democracia republicana o "poder minutal" (dizia Tocqueville, francês que pensava como britânico): sua natureza é buscar controlar os detalhes da vida.

Quais detalhes? Legislar afetos, hábitos, sentidos, sexo, relações parentais íntimas, comida, escolas, memória, nada escapa da gula republicana e seu clero. Leis que querem fazer de pais e filhos delatores uns dos outros, de amantes representantes do "sindicato dos gêneros". Erra quem ainda associa o fenômeno totalitário às formas clássicas do fascismo do século 20, o novo totalitarismo está associado à inflação da ideia de "bem público".

Se você der uma palmadinha no filho, o Estado te pega! Quem vai denunciar? Que tal ensinar às crianças nas escolas alguns métodos de denúncia? A família já vai mal mesmo.

Onde estaria a fronteira desta inflação da noção de "bem público"? Vamos ver… ah, já sei: não existe fronteira! Quer ver? Imagine só: está proibido rezar antes de jantar em nome da liberdade religiosa das crianças, está proibido contar historinhas paras as crianças sem antes uma análise prévia por especialistas da questão da violência de gênero, pais que não tiverem o certificado de "alimentação zero gordura e zero açúcar" pagarão multa.

Dirá o leitor ingênuo: mas a opinião pública é contra a lei das palmadinhas. Sinto muito: a opinião pública é uma "vadia". Hoje ela diz "não", amanhã ela dirá "sim", tudo depende do que for repetido cem vezes. A democracia sofre com esse mal: sua natureza tende fatalmente para a mentira, para a retórica, para a superficialidade.

Para preservar a democracia de seu viés tirânico (a gula republicana), temos que "defender" a família e suas mazelas em seu espaço (in)feliz, deixar que o manto sombrio da incerteza cubra parte de nosso cotidiano porque, o que preserva a liberdade, não é o consenso acerca do que sejam os "bens morais", mas a sombra que os cerca.

Para preservarmos esta "sombra", é necessário opções à tendência hegemônica no Brasil hoje, que é autoritária. Veja as "opções presidenciáveis". Todos são do clero jacobino de alguma forma. Todos veem a política como "curadora" das almas. Socorro!

ponde.folha@uol.com.br

———-

Em São Paulo, 2 de Agosto de 2010

União Européia

Ontem falei sobre o assunto na Universidade Metodista de São Paulo (UMESP). Sempre fui cético da idéia da União Européia. Minha tese é de que, com a globalização e a disponibilidade maciça das tecnologias de informação e comunicação, que permite a criação de redes virtuais globais, a coisa sensata a fazer é diminuir o tamanho das grandes unidades políticas, como o Brasil, os Estados Unidos, a Rússia, a China, a Índia – criando unidades políticas locais pequenas que se integram, sempre que necessário, em redes ad hoc ou mais ou menos permanentes.

Meu exemplo é a Suíça. Um país minúsculo, que, entretanto, na realidade é uma confederação (Confederatio Helvetica) de 26 cantões. Um dos menores cantões, o de Genebra, que se intitula orgulhosamente “Republique de Genève”, é dividido em 45 municipalidades – que são as unidades políticas que realmente importam. Das 45 municipalidades (“villes”) da Republique de Genève, apenas dez têm mais de 10 mil habitantes – a cidade de Genebra sendo a maior, com cerca de 188 mil habitantes.

O Brasil, os Estados Undos, etc., vão na direção oposta. Mas eles existem na forma atual há muito tempo. A excrescência é a União Européia, que se formou na ânsia de competir com os Estados Unidos e o Japão, e uniu politicamente 27 países que perderam autonomia – e que deveria estar se dividindo em unidades políticas menores. Uniu vários desses países também monetariamente, no Euro (que não é usado nos países do Leste Europeu nem na Inglaterra – sábia Inglaterra!).

A Inglaterra demonstrou sabedoria não abrindo mão da Libra Esterlina. Mas mais sábia foi a Suíça, que se recusou a entrar na União Européia e que também manteve, naturalmente, o seu Franc Suisse.

O Brasil, em vez de proibir na Constituição medidas que alterem a composição da União, deveria estar se desdobrando. A cidade de Genebra, embora tenha apenas 188 mil habitantes, não é fácil de administrar – com seus 37,5% de estrangeiros na composição da população. O Brasíl é impossível de administrar, com seus 188 milhões de habitantes, mil vezes mais. Mesmo a cidade de São Paulo, com seus 11 milhões de habitantes, é inadministrável.

Small, in this case, is beautiful.

A seguir o Editorial da Folha de S. Paulo de hoje. Ele sublinha as dificuldades da União Européia.

———-

Folha de S. Paulo
20 de Maio de 2010

Editoriais
editoriais@uol.com.br

Projeto Europeu

Europa terá de fazer reformas e aprofundar projeto de união para restaurar confiança e ganhar competitividade

NO DIA 13 de maio, na cidade de Aachen, na Alemanha, teve lugar a 60ª cerimônia de entrega do prêmio Charlemagne (Carlos Magno). A honraria é conferida anualmente a personalidades que prestaram serviços à integração europeia. O prêmio é assim designado em homenagem ao rei medieval que personifica o mito fundador da Europa moderna.

Na ocasião, a chanceler alemã, Angela Merkel, fez um discurso contundente sobre o significado da União Europeia. Para ela, a Europa vai superar a crise da moeda comum. "O euro", disse a chanceler, "é mais que uma moeda. O euro é o passo mais largo na trajetória de integração europeia". E, a seguir, indagou: "Por que salvar a Grécia e o euro? Por que gastar dias e noites em busca de um objetivo comum?".

A resposta é que o fracasso do euro não representaria apenas um fracasso monetário. "Seria o fracasso da ideia de unificação." Merkel pediu cooperação e afirmou que a Europa nasce da diversidade e da tolerância, princípios que nortearam o continente desde os primeiros passos da integração, nos anos 1950.

São palavras encorajadoras, mas que precisam ser seguidas por ações. Está claro que o agravamento da crise fiscal demanda mudanças e escolhas políticas espinhosas. O ceticismo atual dos mercados em relação à Europa decorre essencialmente da percepção de que será muito difícil sustentar os ajustes necessários nos próximos anos.

Teme-se, de um lado, uma reação na Alemanha, cuja população poderia não tolerar os custos para manter a moeda única, que tem no país seu mais sólido pilar. De outro, nas economias que hoje são alvo de especulação, como Grécia, Portugal e Espanha, parece demasiado ingrata a tarefa de recuperar a competitividade com medidas que representarão desemprego e perdas salariais.

Já que voltar atrás na moeda comum equivaleria a instaurar o caos, o caminho a ser trilhado é aprofundar a integração. Fazê-lo implica mais federalismo fiscal, mais regras restritivas e menos soberania nacional. Estará a Europa preparada para isso?

Não é demais lembrar que a União Europeia, em seu início, parecia um projeto quase impossível de se concretizar. Sua construção decorreu de alegadas razões políticas e uma subjacente motivação econômica. E a integração sempre se deu em meio a tensões entre federalismo e aspirações de autonomia nacional.

A própria ideia de moeda única ganhou força no terreno da política. Temia-se que o processo de unificação pudesse acabar afastando os alemães da Europa. Por isso, a França quis estabelecer uma data para a adoção do euro.

Tantos percalços vencidos ao longo da história sugerem que a Europa encontrará os meios de restaurar a confiança. Mas terá de abandonar modelos tradicionais e ineficazes para se ajustar às demandas de um futuro mais dinâmico e competitivo.

———-

Em São Paulo, 20 de Maio de 2010

Desigualdade material e igualdade formal

A natureza cria os seres humanos, uns machos, outros fêmeas; uns brancos, outros negros, outros vermelhos, outros amarelos, outros meio marrons; uns com olhos castanhos, outros com olhos negros, outros com olhos verdes, outros com olhos azuis; uns com cabelos negros, outros com cabelos castanhos, outros com cabelos vermelhos, outros com cabelos loiros; uns com cabelos lisos, outros com cabelos ondulados, outros com cabelos encaracolados, outros com cabelos bem enroladinhos; uns maiores do que outros ao nascer, uns com tendência a ser altos; uns magrinhos ao nascer, outros gordinhos ao nascer, uns com tendência a engordar, outros com tendência a ser ou permanecer magros; uns com dedos longos e finos, outros com dedos curtos e fofinhos; uns com covinhas no rosto, outros sem; uns com orelhas ou nariz grandes, outros não; uns com nariz afinado, outros com nariz achatado; uns com lábios finos, outros com lábios grossos; uns com olhos puxadinhos, outros com olhos quase arredondados; e assim vai.

Dada toda essa desigualdade em nossaos aspectos físicos, é de supor que, do ponto do vista intelectual, mental em geral, e emocional, nós seríamos todos formatados pela natureza de acordo com uma única forma?

Que somos diferentes, desiguais, únicos seria a coisa mais evidente do mundo se não houvesse uma ideologia igualitária que insiste, contra toda evidência, na nossa igualdade substantiva e material. A desigualdade é tão patente que, quando encontramos duas pessoas muito parecidas, fora gêmeos idênticos, isso nos chama a atenção — exatamente pela exceção.

A filosofia liberal, que eu endosso, defende a tese de que, apesar de todas essas diferenças e desigualdades substantivas e materiais, devemos ser tratados, pela lei e diante dela, e, portanto, na esfera formal, como iguais.

É por isso que sou contra os tratamentos preferenciais aplicados a mulheres, ou a gays, ou a grupos étnicos e raciais, ou a grupos sócio-econômicos. Esses tratamentos introduzem a desigualdade — no caso, o tratamento desigual pela lei e diante dela — exatamente onde essa desigualdade não deveria existir, numa busca, comprovadamente vã, da igualdade substantiva e material.

Em São Paulo, 25 de Abril de 2010

A ditadura lingüística do Politicamente Correto

O Politicamente Correto é uma ditadura lingüística que especifica, em detalhes, o que podemos e o que não podemos dizer…

Começou nos Estados Unidos, espalhou-se pelo Canada e pela Europa, chegou ao Brasil já faz algum tempo.

Aqui, por volta de 2005, a Secretaria de Direitos Humanos (a mesma que está tentando agora rever a Lei da Anistia) tentou distribuir uma Cartilha do Politicamente Correto que considerava discriminatório até mesmo o termo "anão". Cinco mil volumes já estavam impressos quando alguns ministros conseguiram convencer o Presidente Lulla a mandar a cartilha para o lixo. O principal argumento usado foi o de que a cartilha coniderava impróprios vários termos que o próprio Lulla usava freqüentemente…

Nos Estados Unidos há várias “Cartilhas do Politicamente Correto” publicadas – mas elas são todas sátiras da iniciativa, gozações bem feitas dos acadêmicos e militantes políticos que defendem o Politicamente Correto. Aqui no Brasil o que é piada nos Estados Unidos vira coisa séria.

Voltando para o Brasil, recentemente saiu aqui no Brasil uma cartilha especificando como devemos e como não devemos nos referir a Gays, Lésbicas, Bissexuais, Transsexuais, etc. e a outros aspectos da sexualidade.

Voltando para o Brasil, aquela peça de anacronismo, o deputado Aldo Rebello, do PCdoB, tentou nos impor uma dose maior de patriotismo e brasilidade nos proibindo de usar termos estrangeiros. Pelo jeito ele pensava que, nos proibindo de usar termos em Inglês, a gente admiraria menos os EUA e o capitalismo. Tudo loucura de esquerdista desvairado…

Esses esforços, estrangeiros e tupiniquins, de incutir valores reformando a linguagem, fazem lembrar o livro 1984, de George Orwell, bastante conhecido como “utopia negativa” da sociedade totalitária. Ele instituía a "novilíngua" ("newspeak"), a que todos deveriam se conformar. Esperava-se reformar a mente das pessoas reformando a linguagem que elas falavam…

Junto com a reformulação da linguagem, veio a reformulação dos contos infantis. Histórias como Chapeuzinho Vermelho, Branca de Neve, etc., foram re-escritas para eliminar linguagem e imagens politicamente incorretas.

Os patrulheiros do politicamente correto estão ativos no Brasil. Como mostra o artigo abaixo, de Luiz Felipe Pondé, estão tentando tirar o cachimbo da boca do Saci, para tornar o afrodescendente de locomoção limitada mais correto do ponto de vista político, que hoje condena o fumo…

Abaixo o texto de Pondé. Um protesto lúcido.

———–

Folha de S. Paulo
5 de Abril de 2010

LUIZ FELIPE PONDÉ
De 1984 a 2010


Tiraram o cachimbo do Saci. Amante de charutos cubanos, me senti diretamente afetado



 

NO ROMANCE "1984", de George Orwell, o personagem principal trabalha alterando os arquivos históricos para moldar as consciências para o bom convívio social. Chegamos à época em que essa distopia (contrário de utopia) virou realidade. Só que, desta vez, pelas mãos dos herdeiros dos projetos utópicos "mais bem- intencionados".

Porém, antes, um reparo. A política é um mal necessário, mas existem formas e formas de política. A minha pode ser entendida como uma política herdada de autores como Isaiah Berlin, filósofo e historiador das ideias do século 20, judeu nascido em Riga, Letônia, radicado na Inglaterra. Em matéria de política, prefiro sempre os britânicos aos franceses ou alemães. Tal como ele diz em seu recém-publicado no Brasil "Idéias Políticas na Era Romântica" (Cia. das Letras), prefiro a liberdade à felicidade.

A felicidade se declina no plural, porque os valores são conflitantes e não acredito em nenhuma forma de resolver essas diferenças. A melhor sociedade é a sociedade na qual ninguém tem razão (ninguém sabe a verdade definitiva sobre o bem e o mal), mas um número significativo de pessoas consegue conviver razoavelmente, mesmo sem saber a verdade sobre o bem e o mal.

O furor coletivo de "verdades do bem" deve ser mantido sob controle rígido assim como delírios de um serial killer numa noite de calor insuportável. A sociedade é o lugar do apenas tolerável.

E a profecia de Orwell? Todo mundo já tinha ouvido falar que na China o governo estaria alterando os livros de história das escolas para que a Revolução Cultural Chinesa (uma das maiores monstruosidades cometidas na história da humanidade) desaparecesse da memória das gerações mais jovens. Vale lembrar que muitas das pessoas que entre nós se preparam para assumir o governo concordavam com aquelas atrocidades: matar, saquear, sequestrar gente inocente.

Mas o que dizer de países democráticos como o Canadá? Recentemente, estudantes e professores "amantes da liberdade" quase lincharam uma intelectual americana, Ann Coulter, e impediram que ela falasse numa universidade. Não ouvi nenhum dos intelectuais de plantão defendê-la. Era de esperar que muitas mulheres do mundo das letras não o fizessem, uma vez que ela é loira e gostosa, pecados imperdoáveis para intelectuais feias e azedas. A causa da fúria da "comunidade intelectual" da universidade no Canadá era porque essa loira conservadora é conhecida por não rezar na cartilha dos opressores "do bem".
O Canadá é um dos países mais totalitários no que se refere à repressão ao uso livre da linguagem e à crítica aos costumes da nova casta fascista que empesteia o mundo.

Lá, de repente, você pode ser preso porque usou uma palavra que esta casta julga inapropriada. Toda vez que estamos diante do controle oficial da língua, estamos diante de um regime opressor.

Mas fiquemos em nossa cozinha e deixemos os canadenses afogados em seu fascismo do detalhe.

Outro dia vi na mão de uma colega uma foto do "novo Saci". Tiraram o cachimbo da boca do Saci. Eu, que sou um amante de cachimbos e charutos cubanos (e viva la Revolución!!), me senti diretamente afetado. Meu irmão de fé, o Saci, está sendo reprimido. A ideia é que, com cachimbo, ele é um mau exemplo para as crianças. Imagino que esses caras acham que bom exemplo é mulher vestida de homem coçando o saco.

Outro caso recente é a perseguição a velhas cantigas de roda e histórias infantis. Por exemplo, o "atirei o pau no gato" deve virar "não atire o pau no gato" para que as crianças não cresçam espancando gatos por aí. O fascismo "verde" chega ao ponto de tirar das crianças uma música divertida para torná-las defensoras dos gatos.

Lembro-me de meninas na minha infância que cantavam essas músicas e ainda assim choravam quando os meninos ensaiavam torturar pequenos animais só para vê-las chorar e assim chegar perto delas. Como era bom jogar baratas mortas no lanche das meninas só para ver elas pularem deliciosamente das suas cadeiras em lágrimas.

O Lobo Mau não pode mais ser mau e comer a vovozinha da Chapeuzinho Vermelho. Muito menos o Caçador pode salvá-la, porque estaria estimulando às meninas sonharem com príncipes encantados. O novo fascismo quer que os lobos sejam bonzinhos (pobres lobos) e que as meninas não sonhem com caçadores que as protejam (coitadas).

Sim, 1984 é agora.

ponde.folha@uol.com.br

———-

Em São Paulo, 5 de Abril de 2010

Democracia Constitucional Republicana vs A Tirania da Maioria

Excelente artigo sobre “democracia direta”, através de plebiscitos e assemelhados, publicado na edição internacional especial de fim de ano (número duplo, com datas de 19/12/2009 e 01/01/2010), de The Economist e na edição online (http://www.economist.com/world/unitedstates/displaystory.cfm?story_id=15127600).

O assunto é extremamente relevante para o Brasil, onde ameaças de plebiscitos aparecem com razoável freqüência.

O artigo argumenta que democracias como a nossa não são democracias diretas ou plebiscitárias, mas democracias constitucionais republicanas. Nosso regime é democrático – mas tem duas características que qualificam a democracia:

Primeiro, é republicano, o que quer dizer quea democracia aqui é representativa, não direta ou plebiscitária;

Segundo, é constitucional, o que quer dizer que direitos individuais, em especial os das minorias, são garantidos contra eventuais tentativas das maiorias de exercer, pela democracia direta ou plebiscitária, o que o artigo chama de “tirania da maioria”.

Essa forma de governo é herdada dos Estados Unidos. É uma herança fabulosa, que precisamos saber preservar.

———-

United States

Direct democracy: The tyranny of the majority

Dec 17th 2009 | LOS ANGELES

From The Economist print edition

The fourth branch of government has run amok in parts of America

Reuters

AS 2009 draws to a close, the voter-initiative industry is already frantically busy. In two dozen states new propositions are being readied to go before voters in 2010. Soon “bounty hunters”, paid by the sponsors, will appear on the streets to gather signatures in order to place initiatives on ballots. In states such as California voters will probably have to consider more than a dozen next year.

The lofty term for these initiatives, along with referendums and recalls (most famously of Gray Davis, California’s then-governor, in 2003), is “direct democracy”. They play the biggest and most excessive role in California, where voters have directly amended the state’s constitution or statutes in matters big and small, from how to spend to how to tax, from regulating how fowl should be kept in coops to banning gays from marrying.

The latter two initiatives happened to pass on the same ballot in 2008. Thus “chickens gained valuable rights in California on the same day that gay men and lesbians lost them,” as Ronald George, the chief justice of California’s Supreme Court, remarked recently. The court had previously ruled gay marriage legal, but was obliged to uphold the voters’ wishes.

This odd pairing illustrates the problem that direct democracy poses today. First, by circumventing legislatures in the minutiae of governance (chicken coops, for instance), direct democracy overrules, and often undermines, representative democracy. Second, by letting majorities of those voting—who are often a minority of the state’s residents—circumscribe the rights of minorities (gays, in this case), direct democracy can threaten individual freedom.

Put differently, it is the “tyranny of the majority” that James Madison, a Founding Father, warned about. His reading of ancient history was that the direct democracy of Athens was erratic and short-lived, whereas republican Rome remained stable for much longer. He even worried about using the word “democracy” at all, lest citizens confuse its representative (ie, republican) form with its direct one. “Democracy never lasts long,” wrote John Adams, another Founding Father. Asked what government the federal constitution of 1787 had established, Benjamin Franklin responded: “A republic, if you can keep it.”

But republican governance, even with its competing branches of government and elected representatives, did not perform well as America expanded westward. In California, according to a famous account from 1896, there was “only one kind of politics and that was corrupt politics. It didn’t matter whether a man was a Republican or Democrat. The Southern Pacific Railroad controlled both parties.” Enraged, the Progressive movement grew and took a new look at direct democracy as it was practised in Switzerland, where its use was—and is—sparing and effective (even if occasionally controversial, like last month’s vote to ban minarets).

In 1898 South Dakota became the first state to allow voter initiatives, and others followed, including California in 1911. For many years direct democracy worked as a safety valve, if and when legislatures proved corrupt or unresponsive. But starting with California’s infamous Proposition 13 of 1978, which not only capped property taxes but required (thanks to a vote by a simple majority of those voting) a supermajority of legislators for any future tax increase, direct democracy changed.

It became a fourth branch of government, an industry and a circus. In the 1980s and 1990s the number of ballot initiatives soared, as tycoons from Silicon Valley and Hollywood, or special interests such as public-sector unions, threw millions of dollars into campaigns, paying college students a dollar or more for each signature they collected, blanketing the airwaves with demagogic attack ads and pestering residents with robo-calls at suppertime. The initiatives became longer—the longest rambled on for 15,633 words—and, with double negatives and impenetrable legalese, less comprehensible.

Ironically enough, Southern Pacific, now itself just another interest group, bankrolled an initiative in 1990 to issue billions in bonds to support rail transport. Even elected representatives, such as Arnold Schwarzenegger, the governor of California, often make use of initiatives nowadays instead of working with the legislature. Mr George wonders whether the voter initiative has now “become the tool of the very types of special interests it was intended to control, and an impediment to the effective functioning of a true democratic process.”

The bringer of gridlock

Direct democracy in this form contributes to dysfunction. California currently has America’s worst budget problems, but other states with extensive direct democracy, such as its neighbours Arizona and Oregon (which has had more initiatives than even California), are close behind. In Oregon it will be voters who decide, in January, for or against a tax increase to help plug the latest budget hole.

Those budget holes often result from the cumulative consequences of voter initiatives as much as from economic slowdown. Since the 1970s voters have tended to like initiatives that promise better schools, new hospitals or tougher prison terms, but they are oblivious to the costs involved. At the same time, they loathe taxes and in many states they have insisted, by voter initiative, that two-thirds majorities are needed to raise them.

Robert Stern, the president of the non-partisan Centre for Governmental Studies in Los Angeles (and a drafter of initiatives since the 1970s), believes that direct democracy cannot and should not be ditched wholesale. Despite everything, “most Californians have more confidence in the initiative process than in the legislative process,” he says. That is a result of increasing polarisation between the two big parties, which has led to blocked and unresponsive legislatures and so bred a yearning to circumvent them.

But Mr Stern, like Mr George, believes that the process must be improved and supports the idea of a constitutional convention in California for that purpose. There are far too many initiatives because the signature-collection process is trivially easy for those with money (though daunting for those without it). There must be clearer and more accessible information for voters. And in California the legislature should be allowed at least to amend all initiatives, which it currently cannot. Its citizens should remember that they have a republic, if they can keep it.

———-

Em São Paulo, 5 de Janeiro de 2010

O Estado e a lei antifumo (ou Do fascismo do Estado democrático)

Muito interessantes os dois artigos de Luiz Felipe Pondé na Folha de S. Paulo (7 e 24 de agosto do ano corrente, respectivamente) sobre a Lei Antifumo de São Paulo.

Transcrevo-os no final para referência mais fácil.

Pondé atribui a um “impulso fascista moderno” a energia dedicada por tantas pessoas, hoje em dia, em reprimir o uso do tabaco. Comento isso mais tarde.

Vou tentar explicar em minhas palavras o argumento dele, indo, em alguns casos, um pouco além da posição que ele se propôs defender (e deixando algumas facetas de seu argumento sem comentário).

Como hoje parece pacífico (talvez por se acreditar provado pela ciência?) que a fumaça do cigarro alheio pode causar danos aos pulmões de não-fumantes que estejam perto de fumantes, parece tranqüila a defesa da tese de que cabe ao Estado proteger os não fumantes da fumaça do tabaco alheio.

Mesmo essa tese, porém, precisa ser acompanhada de qualificativos importantes:

a) Essa proteção deve ficar restrita a espaços públicos e fechados;

b) Essa proteção não deve se aplicar a não-fumantes que:

i) desejem estar perto de fumantes, ainda que em espaços públicos e fechados;

ii) não se importem em estar perto de fumantes, ainda que em espaços públicos e fechados; 

iii) estão convictos de que a intervenção do Estado na questão é mais nociva e prejudicial do que a fumação remota e involuntária do cigarro alheio.

Isso quer dizer que:

a) O Estado não deve restringir a liberdade dos fumantes em espaços públicos abertos (ruas, praças, praias, parques, florestas, etc.);

b) O Estado não deve interferir em contextos em que sua interferência não é bem-vinda, nem muito menos solicitada, e dos quais as pessoas envolvidas preferem que o Estado fique (bastante!) longe.

Além disso, a proteção do Estado deveria se restringir a exigir que os espaços públicos fechados reservassem uma área para não fumantes – facultando-lhes manter uma área para fumantes e os acompanhantes que preferem estar com eles a estar em áreas interditadas a fumantes.

Mas isso não seria novidade: a maior parte dos estabelecimentos comerciais já praticava essa norma,

Coerentemente com o aqui assinalado, Pondé critica a lei antifumo por ela (por exemplo) “não preservar alguns poucos bares e restaurantes livres para fumantes [ou não preservar, nos bares e restaurantes destinados a não fumantes, espaços reservados para fumantes], sejam eles consumidores ou trabalhadores do setor.”

A questão mais interessante, porém, do ponto de vista teórico, e não mais simplesmente prático, diz respeito às razões pelas quais o Estado se acha no direito de dar vazão a essa sua fúria legisferante, reduzindo os espaços da liberdade individual.

Pondé sugere que essa fúria legisferante se deve a um “impulso fascista moderno”.

Tendo a concordar com ele.

O fato de um Estado ser, em termos gerais, democrático (eleger seus governos democraticamente, adotar procedimentos legislativos democráticos, etc.) não o impede de agir de forma fascista. O fascismo só é eliminado quando o Estado democrático se alicerça numa plataforma de direitos individuais invioláveis, imprescritíveis, irrevogáveis.

Na ausência desse alicerce, o Estado vira presa fácil de “almas mesquinhas e autoritárias” que gozam (i.e., orgasmizam) diante da possibilidade de controlar o comportamento alheio pelos padrões de seu estreito código moral. São essas almas mesquinhas e autoritárias que Pondé chama de “freiras feias e sem Deus”. (Convenhamos: ser freira já é um desastre; freira feia, então, um desastre duplo; freira feia e sem Deus, então, um desastre completo).

A democracia, quando não alicerçada nos direitos individuais, tende a legislar as tendências puritanas da maioria da população (como já o havia percebido de Tocqueville, numa época em que a ciência não havia ainda declarado o fumo passivo e vicário prejudicial à saúde), banindo atividades que não prejudicam a ninguém (exceto, talvez, os que nelas indulgem), como o jogo, a bebida, o fumo, as demais drogas.

A legislação de tendências puritanas tem como objetivo, em última instância, não a proteção de terceiros contra as ações do fumante, do consumidor de bebida alcoólica ou outras drogas, mas, sim, a proteção do indivíduo contra si mesmo – fazer do indivíduo um ser virtuoso (algo que nenhum liberal digno do nome admite como função legítima do Estado).

As “freiras feias sem Deus”, se não tiverem sua ação cerceada, irão, muito em breve, nos proibir de beber vinho Porto, comer carne vermelha, fumar em casa (para proteger o pulmão do vizinho), ler romances de cunho mais erótico, andar pelados em casa…

Pondé chega ao clímax literário do seu argumento quando diz:

O que essas freiras feias sem Deus não entendem é que o que humaniza o ser humano é um equilíbrio sutil entre vícios e virtudes. E, quando estamos diante de neopuritanos, de santos sem Deus, os vícios é que nos salvam. Não quero viver num mundo sem vícios. E quero vivê-lo tomando vinho, vendo o rosto de uma mulher linda e bêbada em meio à fumaça num bistrô.”

Lindo…

No artigo de hoje, Pondé explica, com clareza exemplar, porque essa atitude de fúria legisgerante é fascista, mesmo num Estado democrático:

Já o fascismo é, no fundo, uma religião civil e não um tipo específico de política ou governo. Manifesta-se como um governo cuja autoimagem é a de um agente moral na sociedade. Agente este movido pela fé em gerar melhores cidadãos, por meio do constrangimento legal e científico dos comportamentos.
Na democracia, o fascismo ainda é mais perigoso porque tende a ser invisível. Esta invisibilidade nasce da ilusão de que a legitimidade pelo voto inviabiliza o motor purificador do fascismo. Pelo contrário, a própria ideia de ‘maioria’ ou de ‘vontade do povo’ trai a vocação fascista.”

Por fim, mais uma questão importante: devemos delegar à ciência e aos cientistas a decisão de definir as nossas leis?

É isso.

———-

Folha de S. Paulo
7 de agosto de 2009

As freiras feias sem Deus

LUIZ FELIPE PONDÉ
COLUNISTA
DA FOLHA

O QUE MOVE as pessoas, em meio a tantos problemas, a dedicar tamanha energia para reprimir o uso do tabaco? Resposta: o impulso fascista moderno.

Proteger não fumantes do tabaco em espaços públicos fechados é justo. Minha objeção contra esta lei se dá em outros dois níveis: um mais prático e outro mais teórico.

O prático diz respeito ao fato de ela não preservar alguns poucos bares e restaurantes livres para fumantes, sejam eles consumidores ou trabalhadores do setor. E por que não? Porque o que move o legislador, o fiscal e o dedo-duro é o gozo típico das almas mesquinhas e autoritárias. Uma espécie de freiras feias sem Deus.

O teórico fala de uma tendência contemporânea, que é o triste fato de a democracia não ser, como pensávamos, imune à praga fascista.

A tendência da democracia à lógica tirânica da saúde já havia sido apontada por Tocqueville (século 19). Dizia o conde francês que a vocação puritana da democracia para a intolerância para com hábitos "inúteis" a levaria a odiar coisas como o álcool e o tabaco, entre outras possibilidades.

Odiaremos comedores de carne? Proprietários de dois carros? Que tal proibir o tabaco em casa em nome do pulmão do vizinho? Ou uma campanha escolar para estimular as crianças a denunciar pais fumantes? Toda forma de fascismo caminhou para a ampliação do controle da vida mínima. As freiras feias sem Deus gozariam com a ideia de crianças tão críticas dos maus hábitos.

A associação do discurso científico ao constrangimento do comportamento moral, via máquina repressiva do Estado, é típica do fascismo. Se comer carne aumentar os custos do Ministério da Saúde, fecharemos as churrascarias? Crianças diagnosticadas cegas ainda no útero significariam uma economia significativa para a sociedade. Vamos abortá-las sistematicamente? O eugenista, o adorador da vida cientificamente perfeita, não se acha autoritário, mas, sim, redentor da espécie humana.

E não me venha dizer que no "Primeiro Mundo" todo o mundo faz isso, porque não sou um desses idiotas colonizados que pensam que o "Primeiro Mundo" seja modelo de tudo. Conheço o "Primeiro Mundo" o suficiente para não crer em bobagens desse tipo.

O que essas freiras feias sem Deus não entendem é que o que humaniza o ser humano é um equilíbrio sutil entre vícios e virtudes. E, quando estamos diante de neopuritanos, de santos sem Deus, os vícios é que nos salvam. Não quero viver num mundo sem vícios. E quero vivê-lo tomando vinho, vendo o rosto de uma mulher linda e bêbada em meio à fumaça num bistrô.

Luiz Felipe Pondé é colunista da Ilustrada

Folha de S. Paulo
24 de agosto de 2009

LUIZ FELIPE PONDÉ
A volta das freiras feias


E se a ciência descobrir que fumantes emitem partículas cancerígenas pela respiração?


HÁ DIAS escrevi no caderno Cotidiano desta Folha um artigo cujo título era "Freiras Feias sem Deus" sobre a nova lei antifumo. Um mar de e-mails.

Volto ao tema hoje para aprofundar duas questões que julgo mais importantes neste debate. Uma delas se refere à imagem de uma freira feia sem Deus como metáfora dos fascistas amantes da nova lei. Por que freira, por que feia, por que sem Deus?

Outra questão, mais "séria", referia-se ao uso do termo "fascismo" para uma lei legitimamente votada num Estado democrático de direito. Como aplicar um termo advindo do universo totalitário ao campo da vida política democrática?

Eu sei, caro leitor: quem é afinado com o debate da filosofia política contemporânea sabe que a suposição de que a democracia seja imune ao fascismo não passa de mera ignorância.

A democracia atual, com suas intenções de corrigir o comportamento do cidadão (elevando-o à categoria de agente moral), pelo contrário, bebe muito na inspiração fascista.

A referência da "freira" aqui é simbólica, é claro. "Freira" remete à figura da mulher religiosa maníaca pelo controle das paixões e dos desejos, uma espécie de fiscal da virtude e do pecado. Ela ama castigar o pecador enquanto se olha no espelho e vê sua face como sendo a do espírito puríssimo. Não muito distante do não fumante militante que, ainda que não confesse, vê o fumante como um lixo da humanidade, alguém que tem prazer em se melar com a morte.

"Feia" é a figura da deformação interna da alma advinda desta fiscalização orgulhosa. Goza a noite em seu quartinho abafado, com a ideia de que, finalmente, aqueles que ela detesta serão humilhados. Como ratos que se escondem no escuro pra respirar seu ar doente.

"Sem Deus" é uma referência mais sofisticada. A relação entre a luta contra o pecado e o vício, por um lado, e Deus, por outro, implica a noção de piedade. Deus é uma ideia que traz em si um abismo no qual miséria humana e misericórdia divina se encontram.

Uma freira feia sem Deus é terrível porque a única coisa que ela deseja é a violência legal como controle total do pecador, sem amor algum pelo infeliz. Ao pecador resta apenas a miséria e a vergonha.

Já o fascismo é, no fundo, uma religião civil e não um tipo específico de política ou governo. Manifesta-se como um governo cuja autoimagem é a de um agente moral na sociedade. Agente este movido pela fé em gerar melhores cidadãos, por meio do constrangimento legal e científico dos comportamentos.
Na democracia, o fascismo ainda é mais perigoso porque tende a ser invisível. Esta invisibilidade nasce da ilusão de que a legitimidade pelo voto inviabiliza o motor purificador do fascismo. Pelo contrário, a própria ideia de "maioria" ou de "vontade do povo" trai a vocação fascista.

O fator saúde, seja pessoal, seja do planeta, seja da sociedade, sempre foi uma paixão fascista -isto já é largamente conhecido. A própria noção de progresso como saúde social canta hinos fascistas.

Perguntará o leitor: mas se for assim, não tem solução! Sim, tem, basta o governo ser mais cético com seus impulsos de purificação do mundo e se ater a sua condição de "síndico" da sociedade e não de reformador. A ideia de uma sociedade "saudável" já é fascista. O estado moderno tem em seu DNA a vocação ao fascismo.

Outro veneno é a associação com a ciência. Aqui tocamos o fundo do poço. Só idiotas, ou fascistas confessos, mesmo que mentirosos, creem em verdades científicas como parceiros éticos.

A rejeição de comportamentos construída via argumento científico tem a seu favor
do ponto de vista do fascista a segurança de que ela é inquestionável. E se a "ciência" tivesse provado que os judeus eram mesmo seres inferiores e eticamente poluidores do mundo, seria correto exterminá-los? Ou pelo menos confiná-los?

Imagine, caro leitor, se em alguns anos "a ciência descobrir" que fumantes e ex-fumantes emitem partículas cancerígenas pela respiração. Claro que esse "a ciência descobrir" pode significar uns quatro ou cinco trabalhos financiados por lobbies contra os fumantes. Como proceder?

Arrisco dizer que nossas freiras feias sem Deus proporiam campos de concentração para os fumantes. Assim garantiríamos um ar sempre puro. A inspiração fascista da modernidade é resultado da secularização do cristianismo e seu desejo de perfeição. Pena que só sobraram as freiras feias e sem Deus.

ponde.folha@uol.com.br

———-

Escrito e transcrito em São Paulo, 24 de agosto de 2009

Protestantismo, pobreza e ascensão social

Transcrevo abaixo artigo publicado na Folha de S. Paulo de 12/07/2009 (indicado por cortesia de Wilson Azevedo).

———-

http://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs1207200908.htm

São Paulo, domingo, 12 de julho de 2009

Anticalvinismo brasileiro

Desfrute mundano da riqueza pregado pela "teologia da prosperidade" sintetiza o ideário de todo o país desde os anos 90

DIANA LIMA
Especial para a Folha 

Em 1994, o controle inflacionário e as promessas que a nova moeda fez, a vários setores de uma população brasileira ainda um tanto receosa, suscitaram variadas notícias.

Quinze anos mais tarde, o fenômeno do consumo volta a merecer a atenção da mídia. Endossando o vocabulário classificatório dos institutos de pesquisa de mercado, nos últimos tempos os jornais têm trazido a informação de que emerge no Brasil uma "nova classe média".

Como ler esse fenômeno?

Um olhar mais abrangente para a vida social brasileira permite verificar que, a partir da década de 1990, não é apenas a estratificação econômica que muda no Brasil.

Dados dos Censos Demográficos produzidos pelo IBGE até 2000 mostram que a paisagem religiosa do país também está em transformação: em 1970, havia 91,1% de católicos e 5,8% de evangélicos. A partir de 1980, essa proporção se alterou de forma significativa: nesse ano, havia 89,2% de católicos e 6,6% de evangélicos; em 1991, 83,3% de católicos e 9,0% de evangélicos; em 2000, 73,8% e 15,4%, respectivamente.

No mesmo momento em que se estabelece a chamada "classe C", uma parcela significativa da população converte-se às religiões evangélicas. A coincidência dessas duas dinâmicas sugere o rendimento analítico da clássica premissa weberiana segundo a qual há uma relação entre ética religiosa e ethos econômico.

Vejamos por quê.

Dentro do variado horizonte evangélico-pentecostal, a Igreja Universal do Reino de Deus, professora da teologia da prosperidade, destaca-se em função de sua rápida expansão. A igreja foi fundada no Rio de Janeiro em 1977. Em 1990, reunia 269 mil pessoas; em 2000, o número havia crescido para 2,1 milhões. Estima-se que hoje a Igreja Universal tenha cerca de 8 milhões de fiéis no país.

Essa denominação pentecostal foi, e eventualmente ainda é, alvo de duras críticas por parte da mídia e da população em geral. Os megaeventos de cura contra o Diabo, organizados no espaço público, bem como seus projetos políticos, impressionam diferentes instâncias da sociedade desde o fim dos anos 1980.

Grosso modo, essa igreja é continuamente acusada de utilizar uma linguagem proveniente do mercado e de servir-se da força persuasiva da televisão para manipular uma massa de fiéis não raro aludidos como ingênuos e ignorantes, e vistos como vítimas de uma mensagem teológica vazia.

O que dizem os fiéis?

Contudo, embora a Igreja Universal tenha motivado muitas análises, pouca ênfase tem sido devotada à compreensão de seus fiéis. Para numerosos pesquisadores, normalmente atentos aos templos situados nas grandes avenidas das cidades brasileiras, essas pessoas buscariam ali uma resposta imediata para suas aflições cotidianas e seus anseios de ascensão social.

Mas como explicam sua experiência de fé aqueles que frequentam os templos menores, próximos a seu cotidiano nas franjas da vida urbana? Por que grande parte dos pobres deste país tem procurado especificamente na teologia da prosperidade, sobretudo desde os anos 1990, soluções para os males que os atingem?

Inspirada no "Faith Movement" norte-americano, essa teologia iniciou sua penetração em muitas igrejas brasileiras no fim dos anos 1970. No sistema cosmológico da Igreja Universal, assim como na Igreja Renascer, na Nova Vida e em outras, a plenitude é um valor central. O desfrute mundano da fortuna é coisa sagrada.

Essa teologia prega que, por meio da força performativa das palavras, o fiel pode neutralizar o Demônio, responsável pelos males que se impõem à vida, e ter acesso a tudo de bom que a existência terrena pode oferecer: saúde perfeita, harmonia conjugal e riqueza material.

A relação entre o cristão e Deus é contratual: para receber a graça do Senhor, o cristão deve viver de acordo com a fé, ir regularmente à igreja, entregar com assiduidade o dízimo previsto na Bíblia, fazer as ofertas e "tomar uma atitude". A teologia da prosperidade revê a antinomia entre cristianismo e desfrute mundano da fortuna. Sua mensagem moral liberta os fiéis das exigências ascéticas determinadas pelo calvinismo e pelas denominações pentecostais tradicionais.

Seus crentes estão destinados a viver em harmonia familiar e a serem saudáveis e vitoriosos em todos os empreendimentos terrenos se demonstrarem confiança incondicional em Deus. O fiel dessa teologia entende que Deus deseja uma vida de plenitude a quem trabalha com afinco e vive de acordo com os preceitos da fé.

O bom cristão pode -e deve- determinar seu acesso a tudo de bom que a vida oferece.

Assim, por um lado há uma continuidade entre o protestantismo histórico e a teologia da prosperidade no que se refere ao rigor diante da obediência religiosa e do trabalho.

Por outro, enquanto a ética calvinista da predestinação impunha aos crentes uma atitude ascética, a teologia da prosperidade sacraliza o usufruto imediato das possibilidades aquisitivas conquistadas pelo fiel. Por que, precisamente na década de 1990, parcelas crescentes das camadas populares urbanas deixaram de buscar na religião apenas orientação sobre como sofrer ou como lidar com a impotência em face da agonia familiar?

Por que os pobres brasileiros não mais se sentem satisfeitos e recompensados pela ideia de que Deus todo amoroso lhes atribuiu uma tarefa, como diria Weber, ou, por que, contrariando Pascal, sua aposta na existência de Deus não pode mais prescindir de provas factuais?

Tenho argumentado contra a visão de que, para os pobres, largamente expostos ao desemprego ou ao subemprego, a atratividade da teologia da prosperidade de um modo geral, e da Igreja Universal, em particular, reside na promessa de prosperidade promovida por meio de uma vigorosa estratégia proselitista.

Essa hipótese não explica por que essa teologia professada desde a fundação da igreja em 1977 se torna atraente, a ponto de ampliar seu número de fiéis em 25% a cada ano, justo na década de 1990.

Recuso a associação imediata
entre pobreza e participação religiosa por dois motivos:

1) É mais do que sabido que, embora maciça, a adesão religiosa não é a única via nas camadas populares;

2) Nos casos de conversão, as possibilidades presentes no mundo contemporâneo são diversas entre si. Basta vencer a superfície para se verificar que essa diversidade é interna inclusive ao pentecostalismo, muitas vezes tratado como algo uniforme.

Ressonâncias

Penso que o crescimento da teologia da prosperidade acontece nesse momento porque é quando os símbolos articulados em sua mensagem pastoral -e mesmo a própria mensagem- encontram ressonância no sistema simbólico que atravessa a experiência social brasileira de maneira mais ampla.

No contexto social em que essas igrejas vicejam, a pobreza sempre foi uma fonte de dificuldades. Não obstante, até a década de 1990, os baixos números sobre sua penetração indicam que o conceito de compensação neste mundo (central na teologia da prosperidade) não havia alcançado a mesma legitimidade religiosa e, portanto, o mesmo apelo entre os pobres, que vem a ter então.

Desde os anos 1990, quando a política econômica e social brasileira acata os postulados do capitalismo pós-social, princípios e termos tomados de empréstimo do campo semântico do empreendedorismo neoliberal ganham exposição insistente na mídia audiovisual e impressa, fornecendo sentido a grande parcela das relações no Brasil.

Na segunda metade da década, os meios de comunicação, de maneira hegemônica, passaram a tratar o sucesso econômico e, consequentemente, o acesso ao mundo do consumo como resultado do empenho empreendedor individual. A Igreja Universal prega que a salvação acontecerá no mundo para todo aquele que aceitar a palavra sagrada e se empenhar no trabalho.

Mais do que em outras denominações pentecostais, essa igreja imprime um tom pedagógico a seus cultos à prosperidade. Durante as reuniões, os fiéis pedem a vitória, cantam por ela, pagam o dízimo por ela e aprendem sobre como alcançá-la com o clero, que lê e comenta casos simples de sucesso em marketing quase toda semana.

A pesquisa antropológica não é capaz de verificar se a fatia da população que tem sido considerada a nova classe média é a mesma que está presente nas igrejas professoras da teologia da prosperidade.

Mas a etnografia tem demonstrado que os fiéis dessas igrejas falam com entusiasmo sobre o alcance de uma vida melhor a partir da conversão e que essa vida melhor envolve, entre outros fatores, um acesso alargado a bens de consumo.

DIANA LIMA é professora do departamento de sociologia do Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro).

———-

Transcrito em Garden Grove / Anaheim, CA, 13 de Julho de 2009