Sobre a arte de desaprender

Está terminando o congresso de que eu vim participar aqui em Lincolnville, perto de Northport, perto de Camden, perto (2h de distância) de Portland, em Maine. Um dos lugares mais bonitos que eu já tive o privilégio de visitar, no alto de um morro, vendo uma baía do Atlântico que é toda sinuosa e cheia de volteios, dando a impressão de ser mais um conjunto de lagos do que parte do mar. O ambiente é agreste. Coelhos, esquilos, tâmias (chipmunks), tartarugas estão por todo lugar. À noite, no chalé, escuto um monte de piados, miados e chiados que nunca escutei. 

O congresso foi sobre “1:1 Computing”Um Computador por Aluno, ou, Um Computador por Criança. Ou, como eu prefiro, “Anytime, Anywhere Learning” (que é o nome da fundação que organizou o evento, comandada por meu amigo Bruce Dixon, educador australiano). Conheço o Bruce desde 2003. Na verdade, lembro-me do dia que nos vimos pela primeira vez: 31 de Março de 2003, no Opus Hotel, em Vancouver, Canada. Quem nos aproximou foi o Greg Butler, também educador, também australiano, meu amigo há mais tempo (desde 2000) e do Bruce há muito mais tempo.

Ao me convidar para o congresso o Bruce especificamente me solicitou que fosse um provocador, um perturbador da ordem, um fator desestabilizador, alguém que tira os participantes de sua zona de conforto. Fiz um pouco disso nos dois primeiros dias do congresso, mas hoje, no painel final, deixei de lado os slides que havia preparado e falei extemporaneamente, na base da “inspiração do Espírito”. Teve gente que adorou, mas teve também quem não gostou.

Meu primeiro ponto foi o seguinte. Parti de uma afirmação feita pelo Bruce em um congresso anterior de que participamos juntos. Disse ele que o pior cenário possível, na área de tecnologia aplicada à educação, seria a gente conseguir colocar um computador nas mãos de cada aluno, e a educação continuar do mesmo jeito que antes, não mudando nada em termos de conceito, visão, teoria e prática (englobando visão de educação e conceito de aprendizagem, teoria e prática de currículo, metodologia, e avaliação, bem como novos ambientes de aprendizagem, nova forma de gestão, etc.). Um cenário como o contemplado pelo Bruce é, para a educação escolar, pior do que um cenário em que os alunos não têm computador. A MENOS QUE os alunos possam levar os computadores para casa e usá-los em seu tempo extra-escolar – para qualquer finalidade que lhes seja de interesse, porque daí eles estarão aprendendo, não-formal e extra-escolarmente.

Esse o meu primeiro ponto.

Meu segundo ponto foi o seguinte. Todo mundo na área de tecnologia aplicada à educação fala sobre a necessidade de mudanças na educação escolar e vai além: afirma que não bastam mudanças parciais, incrementais, graduais, reformadoras, evolutivas – as mudanças precisam totais, sistêmicas, em paralelo, transformadoras, revolucionárias. E todo mundo afirma que essas reformas, que mudam o paradigma, e vão levar a educação escolar para além do modelo industrial, são urgentes…

No fundo, todos nós sabemos que é verdade o que diz Jay Allard:

“Para mudar o mundo, precisamos imaginá-lo diferente do que é hoje. Se, nessa visão, usarmos muito do conhecimento e da experiência que nos trouxeram até aqui, terminaremos exatamente onde começamos… Para ter um resultado diferente, temos de olhar as coisas de uma perspectiva radicalmente diferente.” (J Allard, Ex-Vice-Presidente da Microsoft, Business Week, 4 Dez 2006, p.64).

No entanto, quando se vê o que os proponentes de mudanças transformadoras na educação pretendem fazer, quase nada é radical e a mudança total, sistêmica, etc. passa longe. O paradigma continua o mesmo.

Ou vejamos.

Exemplo 1.

Todo mundo diz que o professor será o “gateway”, o portão de entrada, para a nova educação e insiste que, antes de tudo, precisamos criar novos programas de desenvolvimento profissional para professores, para que eles consigam transformar a escola atual em uma escola diferente. Mas quem garante que a escola do futuro, transformada, terá professores, como os conhecemos? Na realidade, quem garante que a educação do futuro terá escolas, como as conhecemos? Ivan Illitch vinha, já há muito tempo, insistindo na desescolarização da sociedade. E ele propôs isso muito antes de a tecnologia transformar a nossa sociedade em uma sociedade da informação, do conhecimento, da aprendizagem – na verdade, em uma sociedade aprendente (learning society).

Exemplo 2.

Todo mundo fala na necessidade de desenvolver “conteúdo digital” para que os alunos do futuro tenham materiais com os quais trabalhar através de suas maquininhas. Mas na maior parte dos casos o conteúdo digital não passa do mesmíssimo conteúdo dos nossos livros impressos atuais, só que em formato eletrônico, às vezes até digitalizado. É apenas para isso que serve a tecnologia digital, para que a gente leia na tela o que antes lia em papel?

Exemplo 3.

Os “smartboards” são anunciados como tecnologia da escola do futuro. Será que alguém realmente acredita que lousas digitais vão transformar radicalmente a educação? Afinal de contas, elas ainda são lousas! E para que serve uma lousa quando cada um tem um computador?

Em suma: não somos radicais o suficiente em nossa imaginação da escola do futuro.

Esse o meu segundo ponto.

Meu terceiro ponto foi o seguinte. Existe bastante observação pessoal, evidência de pesquisa, e argumento racional que comprova a tese de que as crianças (e os adultos talvez ainda mais) aprendem a maior parte das coisas que sabem, e que sabem fazer, e virtualmente a totalidade das coisas realmente importantes que precisam saber e saber fazer, sem que alguém as ensine (como professores ensinam as coisas na escola).

Uma criança pequena, nos primeiros meses, aprende a reconhecer padrões sofisticados de natureza visual e auditiva que lhe permitem reconhecer o rosto e a voz de seus pais, irmãos, demais parentes, e amigos próximos. Como ela aprende a fazer isso ninguém sabe, mas que ela aprende, aprende. E essa é uma competência importantíssima na vida: reconhecer padrões que nos permitem identificar a identidade dos outros por sua face e por sua voz. E ela a desenvolve sem que ninguém a ensine.

Uma criança pequena, no primeiro ano de vida, aprende a se equilibrar nas duas pernas e a andar, e, em pouco tempo mais, está correndo, saltando, subindo escadas, virando piruetas, etc. E ela aprende a fazer isso sem que ninguém a ensine.

Talvez o maior feito de aprendizagem de uma criança a pequena é aprender a reconhecer e a usar a linguagem. Ela aprende primeiro que determinados sons têm significado, e, logo depois, aprende a emitir esses sons com o significado certo. Leva algum tempo para que uma criança consiga dominar os músculos da face, especialmente os da boca e da língua, para emitir os sons de forma clara e precisa, e para que ela desenvolva um vocabulário que lhe permita se comunicar sem maiores problemas com colegas e com adultos. Mas ao final do seu quarto ano ela está bastante apta nesse mister. E aprende a usar a linguagem sem que ninguém a ensine.

Algumas crianças até conseguem se alfabetizar, lá pelos cinco anos, logo depois de dominar o básico da linguagem oral, sem que ninguém as ensine.

Alguém contesta isso? É inegável que a criança aprende tudo isso porque vive em sociedade, tem ajuda técnica e apoio emocional da família, etc. Mas quem aprende é ela, e o que a família faz não é ensinar em nenhum sentido que se assemelhe ao sentido de ensinar no contexto escolar. A família apóia e incentiva e, no que pode, facilita o seu aprendizado.

Imaginemos como alguém ensinaria uma criança a andar da maneira que se ensinam outras coisas na escola. Andar é um processo complexo, diria o professor, pois requerer força física nas pernas, equilíbrio e movimento através do espaço. Para andar, é preciso primeiro desenvolver a musculatura das pernas, para que elas possam sustentar o resto do corpo. Vamos fazer alguns exercícios para fortalecer, primeiro a perna direita, depois a esquerda. Agora vamos praticar o equilíbrio. Equilíbrio é um conceito interessante… [E assim vai]. Uma vez alcançado o equilíbrio, é preciso aprender a se movimentar, sem cair ao solo. Isso se faz deslocando o peso do corpo, primeiro, para uma perna, liberando a outra. Isso feito, a outra é levantada do solo e movida na direção em que se deseja andar. Isso feito, transfere-se o peso do corpo para a perna que acabou de ser movida, libera-se a outra, e faz-se a mesma coisa com a perna que havia ficado para trás, fazendo com que, no movimento, ela vá além da posição em que se encontra a primeira perna movimentada. Vamos praticar isso. Muito bem. Na aula que vem vamos discutir como o cérebro dá comandos para que transfiramos o peso do corpo para uma perna, para que levantemos uma perna, para que a movamos na direção desejada, etc. Esse é um assunto muito interessante. Mas para discutir isso teremos um professor convidado, especializado em neuropsicologia.

Será que a gente aprenderia a andar desse jeito?

Vou poupar os leitores de uma descrição semelhante de uma aula para ensinar a criança a falar… John Holt uma vez disse que se ensinássemos as crianças a falar, da mesma forma que ensinamos outras coisas na escolas, elas nunca aprenderiam…

Sugata Mitra, hoje da Universidade de New Castle, na Inglaterra, provou (quando ainda morava na Índia) que crianças indianas pobres, de 6 a 12 anos, aprenderam a usar o computador sem nenhum ensino. Tem provado muito mais, na mesma direção, desde então. Procurem na Internet o seu nome e o seu experimento original: “The Hole in the Wall”. Ele estava presente no congresso e fez uma palestra impressionante.

Seymour Papert, que também esteve no Congresso, e conversou por mais de uma hora com Sugata, uma vez escreveu que o necessário, nos dias atuais, em que as mudanças acontecem de forma extremamente rápida, não é conseguir que as crianças aprendam a fazer o que lhes foi ensinado. Quando elas forem fazer isso, provavelmente as circunstâncias já mudaram tanto que ninguém está interessado naquilo que elas aprenderam fazer. (Alguma empresa contrata alguém hoje porque tem letra bonita, porque sua caligrafia é boa?). O que é preciso é que as crianças aprendam a fazer o que não lhes foi ensinado, diz Papert. E ninguém sabe como lhes ensinar a fazer o que não lhes foi ensinado… Elas têm de aprender por si próprias, sem que alguém as ensine!

Angus King (ex-governador de Maine, que estava no Congresso) nos chamou a atenção para o fato de que a tecnologia não só está destruindo os limites de espaço e tempo que definem a escola atual, ela também está destruindo a estrutura de pessoal significativo na aprendizagem dos alunos. Quebrando as paredes e os muros da escola, quebrando o horário rígido da atividade escolar, criando a possibilidade de “anytime, anywhere learning”, a tecnologia colocou – na realidade, recolocou – à disposição da aprendizagem das crianças uma multidão de pessoas competentes, interessantes, motivadas, dispostas a ajudar os outros a aprender, começando com os pais e o restante da família imediata, passando pela comunidade mais próxima, e indo ao extremo de incluir os especialistas de qualquer parte do mundo.

Oscar Wilde uma vez disse que as coisas mais importantes da vida aprendemos sem que ninguém nos ensine (pelo menos da forma que se ensinam coisas na escola). Aprendemos a fazer amizades, a nos relacionar uns com os outros, a amar, a fazer amor, a assumir o comprimisso de ter e cuidar dos filhos, etc., sem que ninguém nos ensine da forma que a escola ensina outras coisas. Oscar Wilde não estava no congresso. E não conheceu a Internet…

Nesse contexto, meu ponto foi: por que não levamos isso a sério? Por que continuamos a pensar em construir escolas físicas parecidas com as que já temos? Por que continuamos a recrutar professores mal preparados, pagá-los mal (porque não sabem exercer o ofício), torná-los desmotivados, e, daí, termos a necessidade de, interminavelmente, tentar prepará-los em serviço?

Por que não nos dedicamos a criar novos ambientes de aprendizagem, ricos em oportunidades de aprendizagem mediada pela tecnologia, flexíveis para acomodar as diferenças individuais e os interesses e talentos de cada um? Por que não pensamos em algo radicalmente novo?

Por que não preparamos pessoas para atuar no apoio à aprendizagem das crianças, especializadas, umas em dar atenção e apoio emocional às crianças, outras em colocar desafios interessantes para elas, outras em ajudá-las a inventar desafios ainda mais interessantes, outras capazes de levar as crianças a explorar os seus potenciais, outras que a ajudem a encontrar as informações de que necessitam, outras que as ajudem a entender as informações que encontrem, outras que as orientem na escolha de um projeto de vida e nas competências que vão precisar ter para transformá-lo em realidade… Quantas funções nobres. E nenhuma delas envolve simplesmente transmitir informações às crianças ou lhes dar passo-a-passos que lhes permitem fazer coisas. Isso elas gostam de obter e fazer por si próprias…

Esse o meu terceiro ponto.

No conjunto, houve quem gostou, houve quem não gostou. Isso não me incomoda. O que me incomoda é que alguns continuaram a discutir algumas questões do congresso como se eu não houvesse dito nada.

Papert mais uma vez tem uma frase precisa e “to the point”. “Mudanças fundamentais ou melhorias incrementais… O problema não está tanto definir qual a opção certa. O problema está em por que não se discute a questão.”

Talvez a resposta esteja no fato de que mudança radical implica perdas, e perdas, mesmo daquilo que estamos convencidos de que precisa ser perdido, produzem dor, sofrimento, angústia, agonia.

Desaprender é, freqüentemente, muito mais difícil do que aprender.

Adquirimos nossas crenças, nossos hábitos, nossos costumes, muitas vezes de forma rápida, num processo semelhante ao de conversão. Converter-se é relativamente fácil. Desconverter-se, muito difícil – e bem mais doloroso.

Mas quando crenças e hábitos ficam arraigados em nós, tão arraigados que parece impossível viver sem eles, porque eles de certo modo definem a nossa natureza, paramos de aprender.

Para aprender o novo, precisamos, freqüentemente, desaprender  o velho.

Em Lincolnville / Northport, ME, 16 de Junho de 2010 

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Direito à felicidade?

Diz o título de uma matéria na Folha de S. Paulo de hoje que “grupo quer incluir direito à felicidade na Constituição”.

Errou a Folha. Não é isso que o grupo pretende. O que tenta (como fica claro no corpo da matéria) é incluir na Constituição Brasileira o “direito à busca da felicidade” – que está presente na Declaração de Independência dos Estados Unidos desde 1776 (como, novamente, o próprio o corpo da matéria assinala – vide http://www1.folha.uol.com.br/fsp/cotidian/ff0606201013.htm).

Enganam-se os proponentes da idéia ao imaginar que a inclusão do direito à busca da felicidade na Constituição Brasileira tornará os brasileiros mais felizes, ou lhes dará alguma base constitucional para exigir do governo que os faça felizes, ou mais felizes. E isso porque a garantia de um direito de buscar a felicidade não implica:

* Que todos queiram buscar a felicidade
* Que aqueles que queiram buscá-la de fato a busquem
* Que aqueles que de fato a busquem tenham competência e sorte suficientes para conquistá-la

Pode o governo fazer alguma coisa para ajudar as pessoas a serem felizes?

Nem a Social-Democracia, com todo o seu otimismo infundado sobre políticas públicas, fala em felicidade: fala em bem-estar. Mas mesmo bem-estar é complicado – e isso porque felicidade ou bem-estar são coisas profundamente subjetivas. O que torna um feliz ou o faz estar bem, não torna o outro feliz ou não o faz estar bem.

Há uma música, chamada “Happiness is”, que era cantada por Ray Conniff e seus cantores, que expressa isso bem: 

Happiness is (Happiness is)
Happiness is (Happiness is)
Happiness is (Happiness is)
Different things to different people
That’s what happiness is

To the preacher
It’s a prayer, prayer, prayer
To the Beatles
It’s a "Yeah, Yeah, Yeah"
To the golfer
It’s a hole in one
To the father
It’s a brand new son

Happiness is (Happiness is)
Happiness is (Happiness is)
Happiness is (Happiness is)
Different things to different people
That’s what happiness is

To the beatnik
It’s his beard, beard, beard
To the monster
Something weird, weird, weird
To a night owl
It’s a good days sleep
To the Yankee’s
It’s a four game sweep

Happiness is (Happiness is)
Happiness is (Happiness is)
Happiness is (Happiness is)
Different things to different people
That’s what happiness is

On the desert
It’s a drink, drink, drink
To the show girl
It’s a mink, mink, mink
To the banker
Lots and lots of dough
To a racer
It’s a GTO

Happiness is (Happiness is)
Happiness is (Happiness is)
Happiness is (Happiness is)
Different things to different people
That’s what happiness is

To a sailor
It’s the sea, sea, sea
To my mother
Why, it’s me, me, me
To the birdies
It’s the sky above
But, to my mind
It’s the one I love

Happiness is (Happiness is)
Happiness is (Happiness is)
Happiness is (Happiness is)
Different things to different people
That’s what happiness is

(http://lyricsplayground.com/alpha/songs/h/happinessis.shtml)

Se não me engano houve um comercial na TV americana no final dos anos 60 que usava essa música… Mas não posso dizer com certeza.

O importante é a tese que se repete no refrão: “Happiness is different things to different people” — “A felicidade é uma coisa diferente para cada pessoa”. Sendo assim, é impossível legislar sobre ela ou, para um governo, tomar medidas que garantam que o povo fique mais feliz, ou alcance mais bem-estar.

Consta (é o artigo da Folha que nos diz) que o Gabão foi o primeiro país a criar, para comparar com o Produto Interno Bruto (PIB), um índice de Felicidade Interna Bruta (FIB). Na Wikipedia há um artigo sobre “Gross National Happiness” (GNH), do qual vale a pena citar o preâmbulo (Vide http://en.wikipedia.org/wiki/Gross_national_happiness):

“The concept of gross national happiness (GNH) was developed in an attempt to define an indicator that measures quality of life or social progress in more holistic and psychological terms than gross national product or GDP. As a chief economic indicator, GDP has numerous flaws long known to economists. GDP measures the amount of commerce in a country, but counts remedial and defensive expenditures (such as the costs of security, police, pollution clean up, etc.) as positive contributions to commerce. A better measure of economic well-being would deduct such costs, and add in other non-market benefits (such as volunteer work, unpaid domestic work, and unpriced ecosystem services) in arriving at an indicator of well-being. As economic development on the planet approaches or surpasses the limits of ecosystems to provide resources and absorb human effluents, calling into question the ability of the planet to continue to support civilization (per the arguments of Jared Diamond, among others), many people have called for getting "Beyond GDP" (the title of a recent EU conference) in order to measure progress not as the mere increase in commercial transations, nor as an increase in specifically economic well-being, but as an increase in general well-being as people themselves subjectively report it. GNH is a strong contributor to this movement to discard measurements of commercial transactions as a key indicator and to instead directly assess changes in the social and psychological well-being of populations.

The term was coined in 1972 by Bhutan‘s former King Jigme Singye Wangchuck, who has opened up Bhutan to the age of modernization, soon after the demise of his father, King
Jigme Dorji Wangchuk. He used the phrase to signal his commitment to building an economy that would serve Bhutan’s unique culture based on Buddhist spiritual values. At first offered as a casual, offhand remark, the concept was taken seriously, as the Centre for Bhutan Studies, under the leadership of Kaarma Uru, developed a sophisticated survey instrument to measure the population’s general level of well-being. The Canadian health epidemiologist Michael Pennock had a major role in the design of the instrument, and uses (what he calls) a "de-Bhutanized" version of the survey in his work in Victoria, British Columbia.

Like many psychological and social indicators, GNH is somewhat easier to state than to define with mathematical precision. Nonetheless, it serves as a unifying vision for Bhutan’s five-year planning process and all the derived planning documents that guide the economic and development plans of the country. Proposed policies in Bhutan must pass a GNH review based on a GNH impact statement that is similar in nature to the Environmental Impact Statement required for development in the U.S.

While conventional development models stress economic growth as the ultimate objective, the concept of GNH is based on the premise that some forms of economic development are "uneconomic", a concept that is advanced by the nascent field of ecological economics. Such development costs more in loss of ecosystem services, and in the imposition of "urban disamenities," than it produces as a positive contribution to well-being. (The difficulty, of course, is that for many forms of development, the gains are taken privately, while the costs the development imposes are born generally and publicly.)

The Bhutanese grounding in Buddhist ideals suggests that beneficial development of human society takes place when material and spiritual development occur side by side to complement and reinforce each other. The four pillars of GNH are the promotion of sustainable development, preservation and promotion of cultural values, conservation of the natural environment, and establishment of good governance. At this level of generality, the concept of GNH is transcultural—a nation need not be Buddhist in order to value sustainable development, cultural integrity, ecosystem conservation, and good governance”.

Infelizmente não tenho tempo para traduzir essa interessante abordagem.

Resta mencionar o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) criado pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD/UNDP). Ele também se pretende um índice que seja usado ao lado do PIB. Inclui, além do desenvolvimento econômico, o desenvolvimento social (programas de saúde e educação) e o desenvolvimento político (garantia de liberdades individuais).

Mas IDH alto não é garantia de felicidade – nem mesmo de bem-estar.

Se fosse, os ricos, que têm dinheiro, têm acesso a excelentes programas de saúde e educação, e têm seus direitos individuais geralmente respeitados, seriam todos felizes. Sabemos que nem todos são.

As seguintes questões estão postas para discussão:

1) É possível chegar a um consenso a respeito de uma definição operacional de felicidade?

2) Supondo que sim, será possível medir o grau de felicidade das pessoas de forma razoavelmente objetiva, que não dependa apenas do relato das pessoas, e que possa servir para a criação de um Índice de Felicidade Nacional?

3) Supondo que sim, haverá ações que um governo possa tomar para elevar o Índice de Felicidade Nacional de um país?

Em São Paulo, 6 de Junho de 2010

Em defesa do direito de não ser perfeito

A crônica de Ruy Castro hoje na Folha é perfeita – exatamente por defender o nosso direito de não ser perfeito.

Ruy Castro discorre sobre algo que foi dito por João Marcello Bôscoli – filho da quase perfeita (enquanto cantora) Elis Regina (e também filho de Ronaldo Bôscoli e enteado de Carlos Camargo Mariano). Gente que, se a genética vale alguma coisa, deve entender de música.

Leia abaixo a crônica.

Mas, antes, eu acrescento, como de praxe, meus comentários.

A indústria do software parece querer nos “salvar da imperfeição”.

Não sei se começou com Photoshop. Talvez não. Possivelmente Photoshop apenas colocou ao alcance de nós, mortais, o que já estava disponível para profissionais.

Lembro-me de como fiquei chocado, já há muito tempo, quando visitei a redação da Playboy, na Editora Abril, acompanhando alguns americanos que queriam fazer uma parceria com uma grande editora brasileira. Ali vi monitores de computadores enormes, de altíssima resolução, com software sofisticado operado com teclado, joystick e trackball, cuja função era remover as imperfeições das fotografadas da revista. O software, nas mãos hábeis dos artistas gráficos, removia barriguinhas salientes demais, aumentava e reconfigurava bumbuns pequenos demais (aos olhos das preferências masculinas típicas), reduzia, aumentava, endurecia e levantava seios, melhorava lábios, eliminava papadas e rugas, tirava manchas na pele, escurecia a foto quando ela mostrava (como diz o mineiro) “demais da conta”… (Algumas coisas, quando mostradas “demais da conta”, perdem o seu encanto). Enfim: o software produzia uma versão fotográfica perfeita de uma fotografada fisicamente ou esteticamente imperfeita – como a Hortência, por exemplo.

Já existe, sei disso, um software que faz algo equivalente, não apenas em fotografias isoladas, como as da Playboy, mas com vídeo (para as novelas, por exemplo). Esse “software de rejuvenescimento” permite que atrizes sessentinhas possam aparecer em séries como “As Cinqüentinhas”… Ele rejuvenesce seqüências de fotos, no vídeo, on the fly. Faz nossas Reginas Duartes e Suzanas Vieiras aparecerem perfeitas nas novelas e séries – apesar das imperfeições que (do ponto de vista físico ou estético) as acometem (como a todo mundo que tem a ventura de não morrer jovem).

Agora vem Auto-Tune – o software que remove os desafinamentos do cantor. Mas não só isso: corrige também a respiração, as pausas, o volume de voz, o alcance, etc.. Fiquei otimista. Imaginei de imediato que versões futuras do software possam permitir que nossas vozes recebam o timbre do cantor de nossa escolha e, assim, eu possa, quem sabe, finalmente me sinastrizar: cantar My Way com a naturalidade e a beleza com que Ol’ Blue Eyes a cantava…  Ou cantar A Deusa da Minha Rua como Nelson Gonçalves… Ou possam me permitir tornar-me um travesti cantante, assumindo a voz de Maria Bethania cantando Roberto Carlos (As Canções que Você Fez pra Mim), ou, maior desafio ainda, Ney Matogrosso cantando Lupicínio (A Flor da Pele)…

Enfim: a indústria do software quer nos “salvar da imperfeição” e nos tornar, a nós humanos musicais, como os deuses da música… Perfeitos.

Mas Ruy Castro está na contra-corrente. Ele quer nos “salvar da perfeição”. Sua crônica é uma versão secular do livro Salvos da Perfeição: Mais humanos e mais perto de Deus, do pastor protestante Elienai Cabral Junior (vide http://www.ultimato.com.br/?pg=show_livros&util=1®istro=531 e também o blog do autor, O Blog do Elienai: http://elienaijr.wordpress.com/). Já comentei o livro do Elienai aqui, neste space, mais de uma vez. Elienai afirma que o Evangelho (contrário ao que acreditam e pregam alguns), nos salvou da necessidade de buscar a perfeição. Ele é a mensagem de um Deus que, sendo Deus, e, portanto, perfeito, se fez homem (assim, com “h” minúsculo, e, portanto, imperfeito), e, assim, ao se tornar homem, nos liberou do imperativo de nos tornarmos Deus, o único que era de fato perfeito (mas que, ao encarnar, optou pela imperfeição humana)… A queda humana, segundo Gênesis 3:5, se deu porque o ser humano quis ser como Deus: a serpente tenta a mulher dizendo que, se ela e seu marido comerem do fruto proibido, “sereis como Deus”. A salvação do homem vem quanto ele, reconhecendo a futilidade de se tornar como Deus, percebeu que Deus já se tornou homem, e, portanto, não há por que devamos querer ser deuses, ou ter a perfeição deles.

Enfim. Ruy Castro conclui: “O filho da cantora mais afinada do Brasil defende os desafinados no que eles têm de mais precioso: sua falível condição humana, essencial à obra de arte”.

Em outras palavras: Ruy  Castro também defende a nossa falível condição humana, da qual, no Éden, tentamos desastrosamente fugir para sermos como Deus. O Deus do Velho Testamento nos condenou por tentar. O Deus do Novo, provavelmente já mais velho e de coração mais mole, vendo que queríamos ser como ele, optou por se tornar como nós…

Amém. Ou, como preferem alguns pregadores de TV, “Amém, amém e amém”.

Admiro a Maria Bethânia, portanto, por sua teologia – que, se Feuerbach, estava certo, é sempre antropologia. Ela se deixa envelhecer naturalmente, não esconde os cabelos brancos, as rugas, não faz plástica, não usa botox. Ela é o que ela é. Um ser humano. E não precisa nem mostrar o seio, que a gente sabe que ela tem, como o fez a outra baiana, a Gal, num gesto bobo, pobre e de mau gosto. Bethânia é uma cantora que, apesar dos anos, continua a ter uma voz e uma interpretação quase perfeitas, sem software, mas um rosto e um corpo que mostram que ela é humana como todos nós. “Humanum sum et nihil humanum a me alienum puto” (Terêncio).

Eis a crônica do Ruy Castro.

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Folha de S. Paulo
5 de Junho de 2010

RUY CASTRO

Proibido não ser perfeito

RIO DE JANEIRO – No sábado último, em belo artigo, o Caderno 2 do “Estado” anunciou “A morte da voz humana”. Nenhum exagero no título. O Auto-Tune -o software que “corrige” a afinação dos cantores- está criando padrões de perfeição inatingíveis para humanos, oferecendo a recompensa sem esforço e tornando dispensáveis a vocação, o talento e o mérito na música popular. “É como se Ronaldinho Gaúcho usasse uma chuteira que acertasse o gol por si. Treinar pra quê?”, pergunta o autor.

O grito foi dado por quem tem toda autoridade para fazê-lo: João Marcello Bôscoli, 40 anos, músico, produtor e diretor de gravadora. Como se não bastasse, filho de Elis Regina e do compositor Ronaldo Bôscoli, um dos criadores da bossa nova, e que teve como padrasto o pianista César Camargo Mariano, com quem Elis se casou ao se separar de Bôscoli. Nunca houve gente mais exigente em música.

Para João Marcello, pior até do que dar afinação a quem não tem, o Auto-Tune está fazendo com a voz o que o Photoshop fez com a pele humana. Assim como o Photoshop “gerou um padrão estético onde poros, rugas de expressão, pelos e outras características se tornaram defeitos”, o Auto-Tune passa o rodo e “corrige” tudo o que considera imperfeito no cantor: afinação, respiração, pausas, volume, alcance -sem se importar se pertencem à sua expressão e emoção.

Ele vai mais longe: “Hoje em dia tomamos remédio quando sentimos tristeza, comemos lixo pré-mastigado quando temos fome, dopamos as crianças quando estão agitadas, passamos horas no computador quando nossa vida parece desinteressante” etc. -e “usamos softwares de afinação quando temos um cantor desafinado”.

O filho da cantora mais afinada do Brasil defende os desafinados no que eles têm de mais precioso: sua falível condição humana, essencial à obra de arte.

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Em São Paulo, 5 de Junho de 2010 (de madrugada); levemente revisto em São Paulo, 20 de Março de 2018.

A identidade pessoal da mulher brasileira: a propósito do artigo de Mirian Goldenberg

Bom assunto para começar o mês do Dia dos Namorados e de Santo Antonio, o santo casamenteiro… Bom, mas controverso e complicado.

O corpo da mulher e o seu marido têm papéis semelhantes na vida da mulher brasileira, segundo a tese de Mirian Goldenberg. Ambos funcionam como parte de seu capital: capital corporal e capital marital.

A identidade da mulher brasileira parece inseparavelmente ligada ao seu corpo, à sua aparência; ou, então, especialmente no caso das casadas há muito tempo, ao seu marido. Em regra. Há, naturalmente, exceções. Mas, para a mulher que faz parte da regra, quando ela perde o seu corpo (sua aparência juvenil, a barriga chata, o peito e a bunda firmes), ou, alternativamente, quando perde o marido, sua identidade freqüentemente se desestrutura.

Apesar de o corpo ser diferente do marido no sentido de que o corpo é inegavelmente dela, ambos compartilham a característica da volatilidade: não são permanentes, são perdíveis. O corpo, ao tempo, a doenças, ou a acidentes; o marido, também ao tempo (pela morte), ou a outras/outros (pela separação),

Assim, é arriscado formar uma identidade pessoal na qual o corpo ou o marido foi fundido, como se em bronze, identidade que fica deformada na ausência de um ou de outro. Se ambos se vão, o que sobra?

Vale a pena lembrar aqui, em relação ao primeiro fator, a tese de que temos um corpo, mas não devemos nos confundir com ele (tese questionada por muitos, hoje em dia, nessa época de valorização do corpo). Nossa identidade pessoal, embora não possa ignorar totalmente o corpo, não deve se fundir em bronze com ele. Deve ter uma base mais mental…

Talvez valha a pena lembrar algo análogo em relação ao casamento… 

Enfim, vale a pena ler o artigo de Mirian Goldenberg.

Parece que mulheres de outros países lidam melhor com suas perdas: a perda do corpo jovem e viçoso, a perda do marido (por separação ou morte). Seria interessante estudar como formam sua identidade pessoal.

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http://www1.folha.uol.com.br/fsp/equilibrio/eq0106201001.htm

Folha de S. Paulo
1º de Junho de 2010

Outras Idéias

Mirian Goldenberg

O marido como capital

No Brasil, as mulheres experimentam o envelhecimento como um período de perdas ainda maiores

NO BRASIL, o corpo é um capital. Certo padrão estético é visto como uma riqueza, desejada por pessoas de diferentes camadas sociais.

Muitos percebem a aparência como veículo de ascensão social e como capital no mercado de trabalho, de casamento e de sexo. Para aprofundar essa discussão, estou fazendo um estudo comparativo com mulheres brasileiras e alemãs na faixa de 50 a 60 anos.

Já nas primeiras entrevistas, constatei um abismo entre o poder objetivo que as brasileiras conquistaram e a miséria subjetiva que aparece em seus discursos.
Elas conquistaram realização profissional, independência econômica, maior escolaridade e liberdade sexual.

Mas se preocupam com excesso de peso, têm vergonha do corpo, medo da solidão.

As alemãs se revelam muito mais seguras tanto objetiva quanto subjetivamente.

Mais confortáveis com o envelhecimento, enfatizam a riqueza dessa fase em termos de realizações profissionais, intelectuais e afetivas.

A discrepância entre a realidade e a miséria discursiva das brasileiras mostra que aqui a velhice é um problema muito maior, o que explica o sacrifício que muitas fazem para parecer mais jovens.

A decadência do corpo, a falta de homem e a invisibilidade marcam o discurso das brasileiras. De diferentes maneiras, elas dizem: "Aqueles olhares e cantadas tão comuns sumiram. Ninguém mais me chama de gostosa. Sou uma mulher invisível".

Curiosamente, as brasileiras que se mostram mais satisfeitas não são as mais magras ou bonitas. São aquelas que estão casadas há anos. Elas têm "capital marital".
Em um mercado em que os homens disponíveis são escassos, principalmente na faixa etária pesquisada, as casadas se sentem poderosas por terem um "produto" raro e valorizado. Aqui, ter marido também é um capital.

No Brasil, onde corpo e marido são considerados capitais, o envelhecimento é experimentado como uma fase de perdas ainda maiores.

Já na cultura alemã, em que diferentes capitais têm mais valor, a velhice pode ser uma fase de realizações e de extrema liberdade.

Como ressaltou Simone de Beauvoir, "a última idade" pode ser uma liberação para as mulheres, que, "submetidas durante toda a vida ao marido e dedicadas aos filhos, podem, enfim preocupar-se consigo mesmas".

MIRIAN GOLDENBERG, antropóloga e professora da Universidade Federal do Rio de Janeiro, é autora de "Coroas: Corpo, Envelhecimento, Casamento e Infidelidade" (ed. Record). Seu site é www.miriangoldenberg.com.br e seu e-mail é miriangoldenberg@uol.com.br.

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Em São Paulo, 1º de Junho de 2010

Romance interessante sobre a luta acerca do aborto nos EUA

Estou lendo um livro interessante que comprei na Livraria da Quinta do Marquês – um Restaurante e Posto no km 57 da Castello Branco (direção Leste – i.e., da Capital). Apesar de ser um livro de 700 páginas, estava a venda por R$ 14,90. O livro é Protect and Defend / Proteger e Defender, de autoria de Richard North Patterson (publicado pela Editora Record no Brasil).

A expressão “proteger e defender” faz parte do juramento feito pelo eleitos à Presidência dos Estados Unidos no momento de sua posse:

“Eu, [fulano de tal], juro solenemente que desempenharei fielmente o cargo de presidente dos Estados Unidos e darei o máximo de minha capacidade para preservar, proteger e defender a Constituição dos Estados Unidos…”. Esse trecho do juramento é o moto do livro.

Trata-se de um livro de ficção – mas de ficção realista: a história de Kerry Francis Kilcannon, senador democrata, que acaba de tomar posse como presidente dos Estados Unidos.

A partir daí o romance tem duas vertentes. De um lado, a história de Kilcannon na Casa Branca. Do outro, a história de uma advogada que milita na defesa do aborto.

Os democratas são, em regra, defensores do aborto – são “pró-escolha”, para usar o rótulo adotado nos Estados Unidos. Mas os republicanos, ao deixar a presidência, conseguiram fazer aprovar uma Lei de Proteção à Vida, para agradar a população contrária ao aborto – os “pró-vida”, como são chamados lá.

Para complicar as coisas, o presidente da Suprema Corte, um velhinho, morre de infarto no ato da posse. A Suprema Corte, que andava dividida 4×4, tinha seus votos decididos pelo presidente, conservador, e, portanto, alinhado com os Republicanos. Com sua morte, o Presidente vai ter de indicar alguém ao Congresso para vir a completar a Suprema Corte. Ele pode indicar alguém e já indicar que este será o presidente da Suprema Corte, ou indicar apenas um membro e escolher um dos veteranos como presidente.

Os Democratas esperam que ele inverta a tendência da Suprema Corte. Mas ele precisa também resolver o problema rapidamente, garantindo que a Suprema Corte não fique travada, com votações empatadas 4×4 e sem o voto de Minerva de um presidente. Para isso precisa indicar alguém que tenha o apoio dos Republicanos também. Isso provavelmente significa alguém que não tenha se pronunciado muito, nem julgado, casos controvertidos…

Para complicar as coisas, o Presidente, que é divorciado, tem uma namorada, jornalista, que já fez, sem que ninguém soubesse (além do Presidente e de seu melhor amigo, agora Chefe da Casa Civil, um negro), fez um aborto de um filho do Presidente, quando este era senador e ainda casado. Segredo quente, que certamente lhe causará problemas no futuro. (Li apenas umas 100 páginas até aqui).

A advogada pró-escolha (que foi assessora de uma importante juiza federal) está envolvida numa confusão envolvendo uma clínica de abortos em Los Angeles, à qual comparece uma menina de 15 anos, grávida já de mais de três meses, e que é filha do maior defensor da causa anti-aborto dos Estados Unidos: um professor universitário de direito, extremamente religioso e conservador.

A Lei de Proteção à Vida proíbe que as clínicas de aborto façam aborto em menores sem a autorização de pelo menos um dos pais. (Isso é admitido hoje nos Estados Unidos). Os pais a menina não vão dar a autorização. Já providenciaram tudo para que ela tenha a criança.

A menina, no entanto, quer abortar – porque a criança, além de tudo, é hidrocéfala. Para que possa abortar, sem a autorização dos pais, só se um juiz autorizar, em um processo específico.

Está montado o cenário.

A juiza para a qual a advogada trabalhou recomenda que ela não toque nesse caso nem de longe. Mas ela vai se envolver e abrir processo em nome da menina.

E a juiza é a pessoa para a qual o Presidente se inclina, não só para ocupar uma vaga na Suprema Corte, mas para presidi-la.

Hot stuff, não é verdade?

A gente aprende bastante sobre o governo e a legislação americana no processo. E a discussão é relevante para a discussão da questão do aborto no Brasil. 

Apesar de ter lido apenas cerca de cem páginas, recomendo o livro.

Em São Paulo, 31 de Maio de 2010.

Epistemologia da fé – 2

Na discussão do tema no Facebook, várias pessoas se manifestaram. Eis aqui um resumo.

MInha mulher, Paloma, se fez ouvir (ler) nos seguintes termos, citando o autor de Hebreus: “’Ora, a fé é a certeza de coisas que se esperam, a convicção de fatos que se não vêem’ (Hebreus 11:1). Acho que a fé como uma defesa da não-necessidade de justificar a crença em determinados enunciados se aproxima mais da minha idéia de fé…”.

Meu irmão, Flávio, lembrou o pensador inglês G. K. Chesterton, que disse:

"Amar significa amar o que é difícil de ser amado, do contrário não seria virtude alguma; perdoar significa perdoar o imperdoável, do contrário não seria virtude alguma; fé significa crer no inacreditável, do contrário não seria virtude alguma. E esperar significa esperar quando já não há esperança, do contrário não seria virtude alguma."

Eu retruquei:

“Gosto muito do Chesterton — pensador inglês que era católico, não anglicano. Escreveu também vários romances policiais deliciosos. Tenho todos eles. Tendo a concordar com ele. Fé, mesmo, para ser realmente fé, tem de ser em algo inacreditável. À la Tertuliano, Kierkegaard, etc. Não é preciso ter fé, por exemplo, para admitir que Jesus realmente nasceu no século I na Palestina. Para admitir que ele nasceu de uma virgem, porém, é preciso fé. Não é preciso fé, por exemplo, para admitir que ele tenha morrido na cruz. Para admitir que sua morte expiou os pecados do mundo, ou que ele tenha ressuscitado dentre os mortos, é preciso fé”.

Meu sobrinho, Vitor, teólogo, nos lembrou de duas idéias interessantes, referindo-se a Paul Tillich e Miguel de Unamuno:

a) “A fé se aproxima mais de preocupação (‘concern’: "the state of being ultimately concerned", de Paul Tillich) do que de crença”.

b) [Referindo-se a Miguel de Unamuno] “Até que ponto a fé não é desejar, não algo que existe, mas, sim, algo que não existe?”

Eu lembrei as três virtudes paulinas – a fé, a esperança, e o amor – das quais a maior delas é o amor.

Comentei, diante da cutucada da Paloma para que eu me manifestasse, dizendo o que pensava. Comecei comentando algo dito por Ozimar Pereira, a saber: “A fé é justamente acreditar que não existe finitude. É saber que existe algo maior no qual se está inserido e do qual você é um ator ativo”. Retruquei:

“Eu estaria inclinado a dizer mais ou menos o contrário: que a fé é o reconhecimento da nossa finitude, reconhecimento esse acompanhado da crença (ou, se mais fraca, da esperança), de que há algo além, transcendente. Reconhecer a nossa finitude é reconhecer que somos finitos, que temos fim. O Judaísmo e o Cristianismo, por exemplo, diferentemente das religiões gregas, não acreditam na imortalidade da alma: acreditam na ressurreição do corpo. Isso quer dizer que o Judaísmo e o Cristianismo reconhecem, de forma radical, a finitude humana: a morte, o fim humano, é realmente um fim. Não é a morte só do corpo, ficando a alma viajando por aí, atormentando os outros, ou se reincarnando em outro corpo. É realmente o fim. Só um milagre poderá fazer com que, depois desse fim, sobrevenha um novo capítulo em que voltamos a participar. O Judaísmo e o Cristianismo acreditam no milagre da ressureição do corpo. Têm fé (esperança?) de que, um dia, o nosso ser, nosso eu, com corpo e tudo o mais, será reconstituído. Existe alguma base para se crer nisso (além do fato de que a Bíblia o diz)? Estou convicto de que não. Se quem crê (espera) está certo, ou não, só se saberá se a crença (esperança) for verdadeira. Se não for, o nosso fim é verdadeiramente o fim, o fim final, o fim sem follow-up, o fim sem capítulo subseqüente – e a nossa finitude é uma finitude sem transcendência. É bom crer que a nossa morte não é o fim de tudo – que haverá um follow-up eterno em que o bem, o certo, a justiça serão recompensados, em que os conflitos, as guerras, o sofrimento, o mal deixarão de existir, em que o lobo conviverá pacificamente com o cordeiro e nos olhos não haverá nenhuma lágrima. Talvez por ser tão bom crer nisso que eu tenho medo de realmente crer — e prefira ficar no nível da fé-esperança… Segundo Paulo, há três virtudes básicas: a fé, a esperança, e o amor. Será que 2/3 delas não bastam?”

A Paloma cutucou de novo:

“Não crer por medo? Medo por ser algo tão bom? Quantas coisas tão boas temos recebido ainda em vida? Por que não as receberíamos depois da morte? Quantos milagres temos "vivido em vida"? Por que não os poderíamos ‘viver depois da morte’”?

Retruquei:

“Sabe quando você tem medo de acreditar em algo porque "it is too good to be true"? Sei que, muitas vezes, mesmo sem a crença, "it is true". Tenho provas irrefutáveis disso (você sabe). Mas não aceito a validade de argumentos indutivos. O que já aconteceu muitas vezes no passado, pode não acontecer no futuro, exatamente em relação ao que, no esquema total das coisas, mais parece importar…”

O Vítor comentou:

“Bem lembrado sobre Paulo, tio. ‘Fé, esperança e amor’. Talvez sejam três virtudes básicas da humanidade, independente de cultura ou religião. Pra mim, até então, de forma breve, fé seria a preocupação mais decisiva e a decisão certa diante da preocupação; esperança, a paciência na vida e o trabalho constante para mudar; e amor, a aceitação do outro e de si mesmo. Parecem-me virtudes que somam qualidades positivas e nos fazem viver e conviver melhor. Se isto vai garantir uma vida após a morte? Talvez sim, talvez não… O medo da morte não pode ser o único motivo para viver estas virtudes básicas. Se de repente não houver nada após a morte, é melhor viver o paraíso aqui com a gravidade e a beleza destas virtudes (ou 2/3 delas) e esperar pela surpresa insondável da vida, do que antecipar um inferno aqui :-)”.

Retruquei:

“Obrigado por mais uma vez participar, Vitor. Concordo com você. Não sou mais, hoje, daqueles que acham que é ‘tudo ou nada’, ‘all or nothing at all’ (como cantava o incomparável ‘ol’ blue eyes’). Já fui. Hoje acho que 1/3 é melhor do que 0; 2/3 melhor do que 1/3; e que 3/3 talvez seja o ideal. Mas ainda sou suficientemente protestante/presbiteriano/calvinista para confessar que não acho que a fé seja simplesmente uma decisão da vontade: quero acreditar, vou acreditar, acredito. Na doutrina bíblica (na interpretação calvinista) a fé é dom, é graça, não é uma realização intelectual e conativa minha. Bela discussão para o nosso www.theologia.com.br…“

Ozimar Pereira voltou a participar:

“Talvez precise estudar um pouco mais, mas há linhas no Cristianismo que dizem que não há fim. A morte é apenas uma passagem e a vida apenas um de muitos estágios. Fé é acredi
tar nisso e não esperar um ressurgimento do pó no dia do Juízo Final… Enfim…”

Respondi:

“Pelo que sei, há tendências no Cristianismo que acreditam que, na nossa morte, apenas o corpo morre, e a alma (dos salvos, naturalmente) vai direto para os céus, ter com Deus (algo assim). Acredito que essa tendência tenha surgido em contextos influenciados pela doutrina da imortalidade da alma. Se a alma é imortal, apenas o corpo morre. E a alma, quando morre o seu corpo, tem de ficar em algum lugar. Como os cristãos majoritariamente rejeitam a doutrina da transmigração de almas (reincarnação), inferiu-se que a alma dos salvos vai direto para o céu e a dos condenados direto para o inferno. Não encontro base bíblica clara para essa doutrina. Há várias referências que dizem que os que morreram estão "dormindo", mas isso não me parece base suficiente. Por outro lado, há passagens no Velho e no Novo Testamento que sugerem que somos pó e (quando morrermos) voltaremos a ser pó (sem fazer salvaguarda alguma para a alma). Os Testemunhas de Jeová, se bem me lembro, batem firme nessa tecla.”

Enfim. Discussão interessante.

Em São Paulo, 31 de Maio de 2010

Epistemologia da fé – 1

Hoje, enquanto ia até Salto (105 km daqui), ouvi um debate longo na CBN sobre a fé. Foi no programa Caminhos Alternativos, e o título foi: “Os caminhos da fé: uma força que move a vida”.

(Vide http://cbn.globoradio.globo.com/programas/caminhos-alternativos/2010/05/29/OS-CAMINHOS-DA-FE-UMA-FORCA-QUE-MOVE-A-VIDA.htm).

Participaram do debate um budista, um professor de física da UNICAMP e um filósofo (Luís Felipe Pondé, da PUC-SP e colunista da Folha). Em gravação participou o Heródoto Barbeiro.

Muita besteira foi dita, inclusive pelo Heródoto – embora o Pondé e o físico da UNICAMP de vez em quando dissessem algo que valia a pena ouvir.

Dou o título “Epistemologia da fé” a este post porque esta é a questão que não foi realmente discutida pelos debatedores – e que, a meu ver, deveria ter sido.

O que é a fé?

Em particular:

É a fé um modo de descobrir ou desvelar insights que não somos capazes de descobrir pela experiência e pela razão (i.e., pela ciência e pela filosofia)? Uma espécie de intuição sobre assuntos transcendentes? A fé seria, neste caso, sinônimo de revelação? Ou seja, ela opera no chamado “contexto da descoberta”.

Ou:

É a fé um modo de validar epistemicamente crenças que a experiência e a razão (i.e., a ciência e a filosofia) não conseguem validar? Uma espécie de método transcientífico que justifica nossa crença em enunciados que a ciência e a filosofia não são capazes de validar? Ou seja, a fé opera no chamado “contexto da justificação ou validação”.

Ou, ainda:

É a fé uma defesa da não-necessidade de justificar a crença em determinados enunciados porque eles exigem de nós um “salto no escuro”, um “mergulho na irracionalidade”? Como dizia Tertualiano, um dos Pais da Igreja, “credo quia absurdum”, creio exatamente porque é absurdo (vale dizer, incrível). Em outras palavras: se aquilo em que se crê fosse justificado epistemicamente, a fé seria desnecessária. Ela só se torna justificável, enquanto fé, quanto seu objeto é absurdo (ou “loucura”, como preferiu Paulo, o apóstolo).

Ou, ainda:

É a fé um fazer de conta no plano da ação, não da tanto da crença, um viver “as if” (“como se”): a decisão de viver como se a vida tenha sentido, como se o bem e a justiça valham a pena, como se a honestidade compense (e o crime não), etc.

Ou, ainda:

É a fé confiança pessoal, um relacionamento pessoal baseado em confiança (trust) com outra pessoa? Algo equivalente ao fato de que eu confio em determinadas pessoas, me dou a elas, passo a depender delas, mesmo sem ter evidência suficiente de sua confiabilidade. (A gente se casa com quem mal conhece, toma aviões dirigidos por pessoas que desconhecemos, acreditamos que os mecânicos fizeram a manutenção correta nos aviões, acreditamos que as empresas vão nos entregar os produtos que compramos pela Internet, etc.).

Ou, por fim:

É a fé confiança em si próprio e aceitação de si mesmo (mais ou menos a tese do Heródoto)?

A maioria dos participantes pareceu-me não acreditar que a fé se esgote na crença de que um Deus (parecido com o Deus cristão descrito na Bíblia) existe. Todos eles (inclusive o budista) pareceram estar interessados em defender um tipo de fé que transcenda a questão religiosa e não se esgote na questão de Deus (ou até mesmo não a envolva). (A questão de Jesus e da redençaão nem chegou a ser discutida, talvez em respeito à presença do budista…)

No fim, todos pareceram ser a favor da fé, todos se declararam pessoas de fé (em algum sentido do termo). O físico da UNICAMP foi o único a sugerir, em alguns momentos, que a fé não é necessariamente uma coisa boa – nem mesmo quando entendida como confiança em si e aceitação de si. (Se eu sou um crápula ou um criminoso, a situação parece ficar pior se eu acreditar em mim mesmo e me aceitar como sou…) 

O debate só ficou interessante quando a apresentadora relatou algo dito por uma atriz, solicitando que os debatedores comentassem. O que a atriz disse foi algo mais ou menos assim: “Eu quero crer, rezo toda noite para crer, para que eu venha a ter, ou receba, fé, mas… “

Isso gerou uma discussão interessante sobre a seguinte questão: a fé é algo que cada um de nós decide ter ou não ter, voluntariamente? É um ato de decisão pessoal? Se é, por que tantas pessoas aparentemente querem crer, querem ter fé, e não conseguem? Se não é, porque tantos cristãos condenam tantas pessoas por não terem fé?

É doutrina da Reforma Protestante que a fé não é uma realização humana, mas, sim, um dom divino (uma graça). Nesse caso, os incréus não poderiam ser responsabilizados por sua descrença, nem os crentes pela sua fé. A estes Deus teria graciosamente dado a fé, àqueles ele a teria negado. Essa doutrina desemboca na predestinação.

Protestantes mais “soft” introduziram uma inovação: Deus daria a fé a alguns, mas não graciosamente: os recipientes precisariam primeiro crer que isso era possível e desejar que isso fosse feito. Essa inovação é complicada: além de sugerir que Deus dá a fé apenas a quem já de alguma forma crê, ela parece fazer da própria fé uma obra, negando a doutrina da justificação sola gratia.

Enfim, coisa complicada.

Em São Paulo, 29 de Maio de 2010

 

 

Bibliotecas Escolares

Foi aprovada recentemente pelo Congresso Nacional uma lei que me parece anacrônica já no nascimento. Ela obriga todas as escolas brasileiras a, dentro dos próximos dez anos, terem uma Biblioteca Escolar. Cada biblioteca deverá ter no mínimo um título diferente por aluno matriculado.

As Associações de Bibliotecárias já estão assanhadas (provavelmente a lei foi aprovada por pressão delas). Vão exigir (se é que a lei já não contempla) que cada uma dessas bibliotecas tenha uma bibliotecária formada. Já imaginou quanto emprego para bibliotecária? Já imaginou a demanda sobre os cursos de Biblioteconomia que, sob pressão dos meios digitais de informação e comunicação estavam à míngua?

Enfim, uma medida de interesse corporativista (i.e., da corporação das bibliotecárias) aprovada por um governo corporativista (i.e.,dos sindicalistas).

Se o governo eliminar os impostos das empresas que fornecem conexão à Internet em banda larga, as escolas terão acesso decente à Internet em pouquíssimo tempo e, com isso, terão acesso a livros eletrônicos. Sem esperar dez anos. Nesse caso, as bibliotecas serão desnecessárias.

Numa hora em que os livros estão todos se tornando (também) eletrônicos e o acesso à Internet universal, por que não comprar livros didáticos eletrônicos para as escolas (a um preço BEM mais barato), em vez de livros descartáveis em papel, e investir a economia em netbooks para os alunos?

Daqui a dez anos, se a lei for cumprida, todas as escolas brasileiras terão uma biblioteca física construída, livros materiais nas estantes da biblioteca, uma bibliotecária vigiando os livros – e todo mundo estará usando netbooks conecatados à Internet através de redes wireless.

Em São Paulo, 29 de Maio de 2010

Chácara Klabin

Considero a Chácara Klabin o melhor bairro da Vila Mariana. E não é apenas porque moro ali. Há razões objetivas para a minha preferência.

O local em que hoje está a Chácara Klabin já foi a maior favela da cidade: a Favela do Vergueiro. Essa favela abrigava, no início dos anos 70, 1.171 barracos e cerca de 5 mil pessoas, segundo contagem da época. Foi o Maluf quem removeu a favela e devolveu o terreno aos Klabin, que lotearam a “chácara”. Mais uma razão para eu ser grato ao Maluf: não fosse ele, não haveria esse lindo bairro e eu não moraria aqui…

Vejam a história em um dos sites do bairro, onde é possível ver também fotos do bairro – mais antigas e atuais: http://www.chacaraklabin.com.br 

No dia do aniversário da Paloma (15/5) tomamos café da manhã mais ou menos ao meio dia na Klabin Empório dos Pães, aqui pertinho de casa (já era perto – depois que mudamos, ficou a dois  quarteirões pequenos de casa). Padaria fina é outra coisa. Já colocavam o bufê do almoço. Fiz questão de contar: 45 pratos frios salgados, 15 pratos quentes (inclusive feijoada), e dez pratos de sobremesa. Excelente wine store do lado do restaurante (e boa adega para quem quiser almoçar tomando vinho). Música ao vivo: um magnífico saxofone. Estacionamento com manobristas. Banca de revistas na porta para quem preferir almoçar sozinho, lendo o jornal…

Vejam o site da padaria, isto é, do empório… http://www.klabin.emporiodospaes.com.br

Café da manhã no Empório — algo que seria inimaginável quando eu era criança. Então se compravam apenas enlatados e feijão, arroz e farinha a granel no empório. Hoje se compram não sei quantas variedades de pão, e vinhos, e queijos, e salgadinhos…

Mas a Chácara Klabin não se destaca apenas pelo Klabin Empório dos Pães. É um bairro que tem várias coisas finas… No tocante a padarias, também há a excelente Padaria Iracema, na Avenida Prefeito Fábio Prado, a via mais importante do bairro (mais perto do apartamento antigo). Ou coffee shops, como a Nice Cup (ou, para quem gosta, o Franz Café). Ou wine stores como La Ville du Vin. Ou casas de chocolate como a Kopenhagen. Ou pizzarias como A Villa da Pizza. Ou restaurantes que servem comidas típicas de vários países ou regiões (como o Nordeste): o Mascarino. Ali se serve carne seca desfiada com aipim, ambos aquecidos na pedra, ao som de MPB ao vivo… No bairro há várias Escolas de Educação Infantil, Escolas de Natação, Academias de Ginástica… Há também vários cabeleireiros e manicures (como a Dondoca – mas há outras, menos cor-de-rosa). Ou lavanderias como Cinq à Sec. Também há três farmácias, várias imobiliárias (inclusive a Klabin Residence, através da qual descobrimos o nosso apartamento), lojas de móveis, lojas de decoração, floristas, um posto de gasolina bem no meio do bairro (na Fábio Prado), video locadoras, bancas de jornais (pelo menos três muito boas)… E bancos: naturalmente: o Itaú e o Bradesco. Temos também um Extra, um Pão de Açúcar e um Leroy Merlin e uma churrascaria a menos de cinco minutos (a pé) de casa. A concessionária Citroën onde a Paloma comprou a Picasso dela também fica a cinco minutos. E há, também, para quem precisa, vários motéis na Ricardo Jafet. Num raio de cerca de 4 km, mais um hipermercado (Eldorado) e dois shoppings: o Plaza Sul e o Santa Cruz.

E o bairro é servido por duas estações de metrô da prestigiada Linha Verde (que nos liga à Paulista e à Vila Madalena): a Chácara Klabin e a Santos / Imigrantes.

Em São Paulo, 29 de Maio de 2010

A Linha Amarela do metrô paulistano

Trabalho com tecnologia há 30 anos, desde 1980. Há coisas que a gente sabe com a cabeça – mas não sabe com o coração e o resto do corpo…

Uma delas é que um trem pode andar sozinho, controlado por computadores, sem condutores a bordo. E ir direitinho ao seu destino, parando nas estações no lugar certo, diminuindo a velocidade em curvas, e recebendo comunicação dos sensores que o fazem andar tão bem quanto se estivessem sendo conduzidos por um ser humano.

Quando morei ao lado de San Francisco, na California, em 1972-1973, foi inaugurado o Bay Area Rapid Transit System – BART, que já naquela época era para andar sem condutores. Um acidente na fase de testes – o trem parou depois da estação – fez com que um condutor fosse sempre colocado em cada trem, para prevenir emergências e impedir desastres. Agora, quase quarenta anos depois, a novidade chega a São Paulo, na Linha Amarela do metrô paulistano (que, com o pequeno trecho de 3 km inaugurado na semana passada passa a ter mais de 60 km – longe dos 400 e tantos km do metrô de Londres, mas já uma grande realização para o Brasil.

Hoje tive de ir à United, na Av Paulista 777, e resolvi, depois, ir conhecer a Linha Amarela do metrô, que está funcionando, em caráter de teste, entre as estações Paulistas e Faria Lima, num trecho de 3 km e um pouquinho. (Quando pronta, a Linha Amarela terá as seguintes estações: Luz, República, Higienópolis / Mackenzie, Paulista, Oscar Freire, Fradique Coutinho, Faria Lima, Pinheiros, Butantã, São Paulo / Morumbi,(a casa do SPFC) e Vila Sônia).

Foi emocionante. As viagens são gratuitas, no momento. O trem estava cheio de curiosos. O que mais chamava a atenção de todos era o fato de os trens correrem sem condutor. O primeiro vagão, com duas janelas laterais nos locais onde normalmente estaria o condutor, permite uma visão privilegiada do túnel. É uma experiência emocionante ficar ali. Na ida para a Faria Lima não me dei conta de que era possível ver o trem andando, sozinho, pelo subterrâneo da cidade. Mas na volta, me ajeitei, feito criança, para ficar bem no local mais privilegiado de todos. Incrível a experiência. O trem sai, acelera, reduz a velocidade quando passa nas obras das estações intermediárias e nas curvas mais fechadas, e, ao chegar na estação final, destino, reduz a velocidade e para absolutamente certo no local esperado. Abre as portas de dentro, depois as de fora, e pronto: estamos lá. Numa estação com ar condicionado.

Na ida, ouvia uma senhora, pobre e desdentada (só tinha um dente na boca) falar para um senhor: “Não deveriam gastar dinheiro com esse luxo. Imagine só quantas casas para os pobres que não têm casa eles poderiam construir com esse dinheiro”. Uma outra senhora, também com cara de pobre, imediatamente retrucou. “Não diga bobagem. Isso aqui também é para pobre. Sem isso, eu só conseguia vir para essa parte da cidade andando espremida feito sardinha em lata numa lotação. O Serra está aplicando muito bem o nosso dinheiro, fazendo essas coisas. Olhe só que beleza é andar num trem assim…”. Aparentemente ela convenceu a (mais) velha. Pois esta disse: “Então vamos andar pelo trem, porque neste dá para passar de um vagão para o outro por dentro do trem”. E lá foram as duas, alegres, serelepes… E eu, observando e pensando que iria escrever sobre isso.

A Estação Paulista da Linha Amarela fica, na realidade, na Rua da Consolação – e a Estação Consolação da Linha Verde fica na Av. Paulista… Para ligar as duas estações há um túnel com três esteiras rolantes e um caminho para quem não quer usar as esteiras. Tudo muito bonito, claro, limpo. A Estação Faria Lima fica no cruzamento da Avenida Brigadeiro Faria Lima com a Rua Cardeal Arcoverde e a Rua Theodoro Sampaio, ali cerca de 1 km do comecinho da Faria Lima, ao lado do Largo da Batata (que está sendo totalmente renovado). Para ir do meu apartamento (pego a Linha Verde na Estação Santos / Imigrantes) até à Fundação Telefónica (que fica na Avenida Faria Lima, 1.188), agora é um pulinho… Para a Paloma participar de reuniões no CENPEC, ou para eu ir visitar o Instituto Ayrton Senna ou a Criax, ficou fácil também – mais ainda quando abrir a Estação Fradique Coutinho. E ficou fácil ir até à Fnac da Pedroso de Morais (858) – o antigo Shopping Cultural Ática. (A Ática está hoje absorvida pela Abril Cultural, onde minha amiga Ana Teresa Ralston é Diretora de Tecnologia Educacional e Formação de Professores).

Na Estação Faria Lima há uma bela exposição fotográfica das realizações do Brigadeiro Faria Lima, que foi Secretário de Obras do Jânio e do Carvalho Pinto, Presidente do BNDE na gestão de Jânio na Presidência e, segundo consta, foi informado em 1969 de que seria o candidato do Governo Militar à Presidência da República (no lugar que veio a ser ocupado pelo Médici) quando teve um enfarte e morreu – no mesmo dia em que recebeu a notícia. 

É isso. Parabéns ao governo Serra por ter levado adiante a construção do metrô, em especial nas linhas Verde e Amarela, que me interessam mais de perto – e que são o símbolo desse nosso país carente de gente competente e honesta.

Em São Paulo, 28 de Maio de 2010